janeiro 28, 2011

Bichos nas férias

"OS QUE não vão viajar nas férias e ficam em casa, em São Paulo, precisam se contentar com o vaso no terraço ou com o quintal mirrado. Ah, mas aconteceram coisas.
O manjericão enlouqueceu e tomou conta dos canteiros de sálvia, de salsa e de cebolinha e até o das hortelãs. Misturou-se às roseiras trepadeiras e às nanicas e nada é mais bonito ou cheiroso do que essa mistura de rosa com manjericão. As outras plantas, poucas, comportaram-se direitinho, como sempre.
Mas as duas garnisés que os leitores já conhecem, mesmo com seus ovos tão pequenos e lindos, não merecem meu amor. Têm profundos problemas de identidade. Nem me cumprimentavam, mas agora se confundem com bichos de pelo, tipo cachorro e gato.
A Dina Kaufman, nossa amiga, médica, cheia de sabedoria chinesa, inventou de carregá-las no colo. Sei que não vão acreditar. Agora as galinhas se fazem bem moles, a Dina as carrega e passa a mão nas suas penas e elas abrem e fecham olhinhos pesados de sono, arrulhando. Cruz-credo, isso é coisa de galinha?
Como poleiro inventaram uma árvore de vaso, uma daquelas que tem a folha pequena e que ficam alaranjadas no outono. Pois elas dão um salto para o vaso que é bem grande e bem alto e dali para os galhos esparsos e ficam paradas, como um acessório de índio. Lindas, para falar a verdade.
O pior é que nas férias os bichos se esqueceram, todos, não só as galinhas, que a casa deles é lá fora e a nossa aqui dentro. Pernilongos, então, inverteram tudo. Adoram os quartos, querem dormir zoando no nosso ouvido, coisinha insuportável. As garnisés, depois de ciscarem pelo jardim inteiro, amalucadas, jogando terra para fora dos canteiros, num esparramo, entram casa adentro sem desconfiômetro nenhum, e não tem coisa mais desagradável que uma amiga muito urbana cruzando com uma galinha no corredor, apressada, fazendo barulhinho, tac, tac, nas tábuas largas.
Sem contar as tartarugas, meu Deus, como acho feio esse bicho, tão pré-histórico, com um design intensamente funcional, mas jurássicas, sem possibilidade de interação com os humanos e menos ainda com a médica amiga que limpa a carapaça delas até brilharem, com certeza com a esperança de virem para seu colo para um cafuné.
Engraçado é que desaparecem durante o ano, você pode até pensar que fugiram, e agora, nas férias, além de terem botado seus ovos na porta de entrada, batem nos vidros para se achegarem à casa. Neste calorão, se ficam abertos elas entram correndo e quando digo correndo é à toda, de verdade.
Não é que tartaruga é uma coisa muito lenta e só ganha corridas por esperteza? Essas correm e se aboletam na lareira. O costume não foi aceito e há que retirá-las segurando o casco quando ficam com aquelas perninhas balançando no ar, indignadas.
E há os gatos famintos do bairro com seus gritos apaixonados e plangentes. E os gordos sabiás vorazes. E um PS. Nem só os que viajaram nadaram com peixes-boi, comungaram com a natureza. Dona Garnisé, não se sabe como, subiu as escadas e fez ninho no cachecol que ganhei de aniversário. Hay que sumir com essas bichinhas. Canja à vista!"

 NINA HORTA 

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito criativo. Valeu!