fevereiro 21, 2009

Hilda Hilst


Já estava passando da hora de postar sobre a Hilda Hilst (autora do primeiro poema a vir para o blog). Este mês fez cinco anos de sua morte e a CULT traz a matéria que pode ser lida clicando o título.
Hilda Hilst, em mais de 40 anos de literatura, escreveu poesia, ficção e teatro e passou grande parte deste tempo esbravejando contra o silêncio da crítica e a incompreensão dos leitores. No final de sua vida ostentava uma sarcástica soberba a respeito da própria obra. A entrevista que foi publicada, na mesma revista CULT, em julho de 1998 :

Como foi a experiência de escrever crônicas, falar do dia-a-dia, você que é uma autora preocupada com a noção de Deus e a idéia da morte? Foi muito diferente de escrever ficção e poesia?
Hilda Hilst - Foi muito diferente. Eu até aproveitei para divulgar o meu trabalho, voltar aos meus textos. É uma necessidade que eu tenho. Quando eu estava de saco bem cheio, não tinha nada para falar, aí eu punha trechos dos meus textos. E também faz muito tempo que eu estou dura. Mas aí teve um ano que eu fiquei sem dinheiro mesmo. As pessoas não me compram, não compram os meus livros, é dificílimo. Agora parece que está mudando um pouco. Quando você está quase morrendo, parece que dá vontade nas pessoas de te conhecerem. Mas acho que eu ainda não estou suficientemente velha. Nas crônicas às vezes dava para falar do dia-a-dia. Eu gosto especialmente das crônicas mais engraçadas, como a do E.G.E. (Esquadrão Geriátrico de Extermínio), em que eu proponho que as velhinhas (eu incluída) besuntem as pontas de suas bengalas com curare e saiam por aí espetando os políticos. Tem outra deslumbrante em que eu começo falando do Camus e, de repente, baixa o doutor Fritz e eu começo a falar com aquele sotaque alemão. Como em outra sobre a minha dívida de IPTU: "Venho atrravés de meu aparrelho, senhorra Hilst, que está adorrmecida em posizon de lótus, mas psicogrrafando meu mensagem, deizerr-lhes que o aparrelho prrecisa de dinheirras parra pagarr imposto PETÚ." (risos) É engraçadíssimo.

Na crônica Receitas anti-tédio carnavalesco você recomenda um ritual que culmina com um tiro na cabeça. No seu livro Estar sendo - Ter sido também há muitas receitas de suicídio. Você já pensou em se matar?
H.H. - Era uma brincadeira que eu fazia comigo mesma: "Será que não é bom a gente pegar aquele revólver, comprar um 9 mm?" - eu fiquei entendendo dessas coisas, 9 mm e tal. Mas me vinha uma coisa desagradável. Eu tenho muito medo de me assustar. Há também uma receita para isso de se assustar: é só fechar um olho. Quando for se matar, fecha um olho que aí você não fica tão mal, não se assusta tanto. Mas depois de um tempo aconteceram comigo coisas notáveis em matéria de mediunidade, que nem adianta contar porque as pessoas acham que eu sou uma louca. Então desisti, percebi que era uma fantasia minha esse negócio de me matar. Mas continuei interessada no assunto. Procurei por muito tempo esse livro, Suicídio: modo de usar [de Claude Guillon e Yves de Boniée], de onde eu tirei aquelas receitas. Às vezes a pessoa quer se matar em casa e não dá certo. Fica todo mundo batendo na porta, ou arrebentam a porta e tal. Então nesse livro eles ensinam muitas maneiras de se matar. Você pode tomar alguma coisa de efeito retardado, tipo Vesperax, que demora 48 horas, ir para um hotel e pôr aqueles avisos de Do not disturb em todas as línguas. Com esses remédios de efeito retardado, a pessoa dorme magnificamente e morre.
H.H. - Eu tenho um cagaço tenebroso da morte. As pessoas dizem, "nossa, você que fala tanto da morte, tá assim cagada de medo..." É que eu tenho medo do sofrimento. Eu sempre pedi que eu ficasse obscura contanto que não sofresse. E olha que o lá de cima, esse Deus, que eu não conheço, ele cumpriu, não deixou que eu sofresse.
H.H. - O meu Deus não é material. Deus eu não conheço. Não conheço esse senhor. Eu sempre dizia que Ele estava até no escarro, no mijo, não que Ele fosse esse escarro e esse mijo. Há uma coisa obscura e medonha nele, que me dá pavor. Ele é uma coisa. Se bem que depois que eu li Heidegger, e releio sempre, não consigo mais falar "coisa". Heidegger escreveu um livro enorme só para falar o que é uma coisa. Mas esse tipo de conversa você não pode pôr na revista. As pessoas ouvem falar em Deus e se chateiam. Tem que falar de coisas normais. Só quando o Paulo Coelho fala em Deus é que as pessoas escutam.


Você sempre diz que ninguém lê seus livros. A resposta a seu livro anterior, Estar sendo - Ter sido, não lhe deixou satisfeita?
H.H. - Este ninguém entendeu nada. Não sei o que é, parece que fica cada vez pior. Eu sempre acho que vai melhorar, mas ninguém entende nada. O que será que é, hein? Às vezes eu releio o que eu escrevo e penso "meu Deus, mas está tão compreensível!". O que será que é?

Você não é uma escritora mais dada à sedução do que à comunicação?
H.H. - Sabe que não sei muito bem. Eu não entendo nada de crítica. Os críticos escrevem umas coisas tão dificílimas sobre o meu trabalho que, ao invés de auxiliarem o outro a compreender, parece que obscurecem tudo. Eu fiquei por anos escrevendo como uma louca sem ninguém entender. Eu sei o que eu sou como escritora. Tenho perfeita noção de quem eu sou como escritor. Mas se lêem e entendem não é o meu departamento.
H.H. - Há amigos meus que dizem que eu enlouqueço as pessoas. Eu fico meio triste com isso porque a loucura como um valor pré-determinado confere uma certa opacidade ao texto. A loucura criadora também é paralisante. Jung fez um trabalho sobre a filha de Joyce, que era esquizofrênica e paranóica, mas não tinha o talento do pai. Meu pai (o poeta Apolonio de Almeida Prado Hilst) escrevia lindamente e acabou esquizofrênico e paranóico. Mas esquizofrenia você não pega como uma gripe, você nasce esquizofrênico. Existe na esquizofrenia uma coisa monocórdica. Graças a Deus eu não fiquei assim. Muitos críticos acham meus textos esquizofrênicos porque há uma certa dificuldade com a pontuação e o fluxo de pensamento dos personagens, o dizer claramente, francamente, mas eu não acho que os textos sejam esquizofrênicos. Eu os leio tão bem.


A virada que você deu em direção à literatura pornográfica (com a trilogia O caderno rosa de Lory Lambi, Contos d'escárnio e Cartas de um sedutor) me parece uma falsa mudança. Você continuou escrevendo da mesma maneira, falando da morte, do inanimado, de Deus, com a mesma descontinuidade narrativa.
H.H. - É verdade. A Gallimard chegou a dizer que eu transformei a pornografia em arte. Jorge Coli diz que considera meu trabalho uma coisa deslumbrante, ele me faz elogios maravilhosos. Mas quando eu mandei para ele as Cartas de um sedutor - livro que eu gostei muito de escrever e possibilitou que me familiarizasse com uma linguagem mais agressiva - ele me disse: "Hilda, depois de ler o livro, eu fiquei doente oito dias". Mas você não riu? - eu disse. E ele: "Mas era para rir?". Eu ria muito escrevendo o Cartas de um sedutor. Eu gosto muito deste personagem, o Karl, eu queria muito que ele continuasse a viver. Outros disseram que o livro era cruel. Sempre me dizem isso, que meu trabalho tem uma crueldade específica.

A maioria dos seus personagens é homem. São eles que têm a necessidade da expressão e da transcendência. As mulheres, por outro lado, são quase sempre um estorvo. Por quê?
H.H. - Porque meus personagens pensam muito. É difícil você imaginar uma mulher assim, com tudo isso na cabeça. São raras as mulheres com fantasias muito enriquecedoras. A fantasia que elas mais gostam parece que é o 69. É o mais imaginoso que elas conseguem (risos). As mulheres querem ter filhos, gostam de penduricalhos, de dançar, de ir a bailecos, eu não sei o que é. Mas meus personagens são muito engraçados também. São meio cínicos, às vezes meio debochados, mas têm muita coisa lá dentro.

Você escreve poesia, ficção e teatro. Qual dos gêneros literários você prefere?
H.H. - Eu me acho perfeita nos três. Pode escrever isso. A única coisa que eu pude fazer na vida foi escrever, porque é a única coisa que eu sei fazer mesmo. Dizem que eu sou megalomaníaca. Sou. Meu texto de ficção é deslumbrante, é da pessoa ficar gozando o tempo todo. O meu teatro continua às moscas, todo inédito*. Eu ganhei o prêmio Anchieta com O verdugo em 1969. Gianni Ratto disse que foi a mais bela peça que ele viu na vida. Poesia é algo de especial. Subitamente você sente alguma coisa diferente. O João Cabral fala horrores da inspiração, mas existe, sim, inspiração. Você fica mesmo com febre quando a poesia acontece. Durante alguns dias você fica tomado por alguma coisa que você não sabe o que é, com uma espécie de febre interior. Quando eu releio as minhas poesias, me dá uma comoção de ter escrito aquilo. Eu me acho deslumbrante como poeta e como escritora. Quando me vem a poesia, ela vem em português de Portugal, com a sonoridade da língua portuguesa original. Minha mãe era filha de portugueses, deve ser por isso. O primeiro verso do Cantares do sem nome e de partidas, "Que este amor não me cegue nem me siga", me veio assim, com sotaque português. O primeiro verso é base para mim. Me vem o primeiro verso e depois, durante dias, vêm os outros, difíceis de trabalhar. Eu fico vermelha, passo mal. Acontece esse milagre.
Você nunca pensou em escrever filosofia?
H.H. - Eu escrevo filosofia em todos os meus livros. Com fundo narrativo ou não, é filosofia pura.
Você foi convidada a participar do Salão do Livro de Paris deste ano e se recusou a ir. Por quê?
H.H. - Eu não vou nem a Pirituba mais. Eu acho um engodo você ter que aparecer e se mostrar. Eu quero que me leiam. Eu não quero explicar o meu trabalho. Você acha normal ficar explicando? E também eu só sei falar a minha língua. Leio muito bem em francês, mas não saberia falar em outra língua as coisas que eu falo em português. Ir lá para quê? Paris era bom quando eu fodia, com vinte anos.
Você continua escrevendo?
H.H. - Não. O que eu escrevi é tão bonito... Eu leio e fico besta. Como é possível eu ter feito uma coisa tão deslumbrante e ninguém compreender? Chega uma hora, quando você vai envelhecendo, vai dando um desapego, você não se importa mais com nada. Nem com a fama. Eu fico lembrando a passagem da Odisséia em que Ulisses está na gruta e o ciclope pergunta "Quem é?". E ele responde "Ninguém, meu nome é Ninguém". É assim que eu me sinto: ninguém, ninguém. Um astrólogo amigo meu disse que em outra vida eu fui uma puta. Por isso que nessa vida eu fiquei obscura, porque na outra eu fui muito conceituada enquanto puta. (risos)
* poucos anos depois vi O caderno rosa de Lory Lambi no Paiol em Ctba.

Um comentário:

Anônimo disse...

Zelia: entrei na"filosofia".Tem muita materia interessante. Vou ler tudo com calma a partir de amanha. Interessei-me pelo livro SUICIDIO: MODO DE USAR de CLAUDE GUILLON citado na entrevista da Hilda Hilst. Será q a gente consegue? Achei excelente a receita. agora é ver se funciona.
Vou procurar na internet. Vc conhece?
bjs carnavalescos