fevereiro 22, 2009

Carnaval em Curitiba

"Lembro Jamil Snege, atrás da mesa, cigarro entre os dedos: "Carnaval em Curitiba? Não dá. O sujeito pula na rua, alegrinho, vem o guarda e prende!" Vendo de um certo jeito, é uma espécie de maldição esse carnaval — ou não-carnaval — na cidade. Temos até de nos explicar por escrito, como agora. Parece que carregamos a culpa pela falta de espírito carnavalesco, a vergonha do falso rebolado, essa triste ausência de brasilidade, quem sabe até falta de patriotismo! Quando o Brasil inteiro dança, nós aqui, naquele silêncio de missa, andando pelas ruas vazias, metendo o olho crítico no primeiro engraçadinho que sai por aí fazendo escândalo. Coisa de bêbados!
Nem as crianças se entusiasmam: uma terça-feira gorda no Parque Barigüi, que descanso! Parece que estamos passeando em Genebra num começo de primavera! Nenhuma máscara de pirata ou palhaço, nada de serpentina, nem um único confete no chão, naquelas trilhas onde o pessoal sério faz a firme corrida vespertina, bufando, como se não estivesse acontecendo nada no resto do Brasil. É uma coisa tão desenxabida, que quem defende o carnaval da cidade tem de fazê-lo aos gritos, em altos brados, tem de exigir atitude das autoridades, reclamar por leis mais severas, mandar requerimento aos vereadores! Ora, alguma coisa tem de ser feita contra esse crime, parecem dizer, contra essa terrível indiferença!
Bem, carnaval que precisa de lei ou regulamentação, que precisa de muito apoio, defesas apaixonadas para uma platéia apática ou apenas discretamente divertida, tem alguma coisa errada — ou não tem nada errado; apenas não existe. Parece que há uma incompatibilidade radical entre o espaço curitibano e a idéia de carnaval. Digo "espaço" porque, no período, uma horda imensa de curitibanos foge daqui, desabala-se sôfrega em filas intermináveis para descer ao litoral onde, apertada na multidão que enche calçadas, praias, restaurantes, bares, supermercados e apartamentos, passa quatro dias, às vezes sem água na torneira, reclamando da chuva. Ou os habitantes escapam para Floripa, para o Rio, escondem-se em Antonina, em qualquer lugar onde possam se divertir. Aqui, alguma coisa decididamente não combina.
E não é de hoje. A edição de O Paranaense, de 15 de fevereiro de 1880, ilustra-nos Wilson Martins, descrevia os "folguedos carnavalescos" como um desfile de "raras e desengraçadas figuras". Observe-se a finura crítica da expressão, nossa marca registrada: "desengraçadas figuras" — onde naufraga o carnaval, brilha a linguagem.
Há algumas surpresas. Anos atrás, fui pela primeira vez ao antigo Bar do Ermes em pleno carnaval: fregueses bebiam cerveja tranqüilos nas mesas espalhadas, como numa noite de outubro. Mas percebi um som ao fundo, algo que vinha dos subterrâneos, vibrava o chão, uma espécie de bate-estacas que se aproxima. Descobri a escada para o porão e naquele pequeno espaço sem ar, enfumaçado, como na Chicago da Lei Seca, vislumbrei uma multidão clandestina que pulava carnaval, acotovelando-se no escuro com serpentina e tudo, num calor infernal e transpirando alegria. O contraste entre aquele caldeirão nas trevas e a paz iluminada lá da terra me sugeriu uma manchete possível para a Tribuna do Paraná: "Polícia estoura ponto de carnaval em Curitiba!"
Tudo bem: não temos carnaval. Mas vejamos de outro modo: em vez de defeito, não seria esse um capital respeitável a ser mais bem-aproveitado? Uma importante cidade brasileira substancialmente avessa ao carnaval! São quatro ou cinco dias de silêncio, de grandes espaços vazios para caminhar — e toda a infra-estrutura de lazer sub-aproveitada, teatros fechados, cinemas às moscas. Calculem-se os milhares — talvez milhões — de brasileiros que, como eu, acham carnaval uma coisa aborrecida e que muitas vezes se submetem por absoluta falta do que fazer àqueles desfiles intermináveis e chatíssimos da rede Globo, oitocentas horas seguidas da mesma coisa, torturados por sambas-enredos idiotas e clonados ao infinito na alegria militarizada da avenida.
Pois esse povo sofrido e sem opção encontraria em Curitiba o seu paraíso! Quanta coisa poderia ser programada nesse período! Desde a versão hard — digamos, um Festival Internacional de Música Sacra ou um Concurso Nacional de Canto Gregoriano — até opções mais suaves, como, quem sabe, Encontros de Jazz Instrumental, algo assim, ou uma boa Mostra do Cinema Escandinavo, etc. São muitas opções. O único cuidado deverá ser vetar expressamente manifestações de MPB, porque atrás delas sempre há o risco de um trio-elétrico aparecer e aí, bem, aí sai todo mundo correndo, acabou o carnaval curitibano e voltamos à estaca zero.
Cristovão Tezza no seu blog

6 comentários:

Lala disse...

Maria Cristina Vieira, escritora, empresaria, mulher extremamente ativa na area cultural, criou um projeto ha 10 anos: "Curitiba sem Carnaval". Infelizmente funcionou apenas um ano por falta de apoio.
O projeto era maravilhoso. Musica classica, barroca,MPB, danca, ballet,teatro, literatura,etc., em pontos chaves de Curitiba centro-bairro.A ideia era atrair turistas e atrair curitibanos.
Coisas boas em Curitiba sao deletadas... por quem?... é a famosa antropofagia curitibana?
Eu gostaria que o Tessa pudesse ler esse comentario.
Zelinha, voce pode ser a portadora deste desabafo?
Desejo otimo Carnaval sem Carnaval!

Anônimo disse...

Lala Disse:
Festejando o Carnaval, aí vai uma frase de meu livro Destino Arte:
"...a bailarina danca, a mulher vibra; é da criacao o moto perpetuo.Obra do Divino.Celebra-se vida dancando. Dancando celebra-se a vida.
Abr
Milena

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Uma certa idade... disse...

No livro DESTINO ARTE a Milena narra a história de três gerações de artistas da família Morozowicz, que se confunde com a história da da dança em Curitiba, onde seu pai Tadeu Morozowicz fundou o Ballet do Teatro Guaíra. O livro tem caráter autobiográfico e o li antes de conhecer a autora. Daí minha isenção para falar de sua coragem e de minha admiração que se prolongou com a nossa amizade.

Anônimo disse...

E o carnaval em Fortal? Esta, sim, é uma terra muito estranha. Diz ter o maior carnaval fora de época do Brasil, aquela coisa enlatada com gosto de chiclete com banana e aquele careca-véi [um tal de Bel] que bota um pano-véi na cabeça com uns cachos simulando cabelos, mas, durante o carnaval, este lugar vira um grande sanatório, uma grande clínica para descanso [há hotéis que registram 100% de ocupação]. E eu agradeço por isso. É tão bom andar na cidade livre de tráfego! Mas, este ano, a feia "Linda" Lins, a prefeita socialista da Fortaleza "Bela" [piada dupla, né? igual ao nosso "grande" mogul socialista, o Molusco! e que beleza é essa, gente?] até providenciou umas atrações de MPB de bom calibre. Vamos ver a Elza Soares? Beijos do TL.

Anônimo disse...

Da Milena, via email retificando a minha informação:
O TADEU MOROZOWIC FUNDOU O BALLET THALIA QUE POR INSISTENCIA DA IMPRESNSA MAIS TARDE PASSOU A SE CHAMAR BALLET MOROZOWICZ.( O BALLET GUAIRA FOI FUNDADO MUITOS ANOS MAIS TARDE DEPOIS DA CONSTRUCAO DO NOVO TEATRO.
(o atual). TUDO ACONTECIA NO AUDITORIO DO COLEGIO ESTADUAL DO PR. GDE ESCOLA EM GDE EPOCA!- DALI SAIRAM INTELIGENCIAS! E SE DESENVOLVERAM TALENTOS!
O NOME THALIA FOI EM HOMENAGEM A SOCIEDADE QUE ACOLHEU O TADEU POR 50 ANOS NUM SALAO QUE FOI TRANSFORMADO EM SALA DE AULAS NA QUAL TRABALHARAM BAILARINOS E PROFESSORES DE BALLET E DANÇA EM GERAL ( DO BRASIL E EXTERIOR).
FICARAM FAMOSOS OS ENCONTROS INGTERNACIONAIS DE DANÇA NA EPOCA DA PRIMEIRA GESTAO DO NEY BRAGA. ALTO NIVEL. DEPOIS NADA MAIS DE GDE PORTE ACONTECEU. NOSSO PATRONO ERA O PASCOAL CARLOS MAGNO Q CRIOU UMA CIDADE DE ARTE PERTO RIO DE JANEIRO... ETC