fevereiro 20, 2009

Carnaval em Veneza


"Primórdios
Com a cristianização do calendário, as festas pagãs foram rebatizadas. Fevereiro era o tempo de "Carne levare levamen", quando eram degustados pela última vez os pratos gordurosos, antes da entrada em quarentena, a "quadragésima", palavra que evoluiu para Quaresma.
Quarenta dias de comidas "magras" até a chegada da Páscoa. Outras teorias remontam o termo a "carrus navalis", carro que distribuía vinho ao povo durante a festa de Isis, deusa egípcia adotada por gregos e romanos.
No século 13, a festa de rua já era chamada de "carnevalo" e assim viajou no tempo até a "Belle Epoque" - final de século 19, comecinho do século 20 - quando continuava a atrair as populações que vinham admirar carros decorados e pessoas fantasiadas. O Carnaval permitia os derradeiros excessos quando a Igreja, em seus primeiros séculos, preparava o cerne da festa de Páscoa, vinda das antigas comemorações pelo término do inverno no Hemisfério Norte.
Nesta ocasião, as regras sociais eram invertidas: os senhores se fantasiavam de escravos e, durante 5 dias, os escravos se transformavam em senhores. Na Idade Média, a festa se realizava nas igrejas e a missa era dita ao contrário - começava com a Eucaristia e terminava com os Atos de Penitência - os ricos se fantasiavam de pobres, os pobres de ricos, as crianças se vestiam de adultos e os adultos de criança.
Carnaval em Veneza
A Sereníssima República de Veneza (Serenìsima Repùblica Vèneta, em vêneto e Serenissima Repubblica di Venezia, em italiano), muitas vezes chamada apenas de Sereníssima, no nordeste da Itália, com capital na cidade de Veneza, foi um Estado que existiu do século nono até 1797 quando, ao ser invadida por Napoleão Bonaparte, foi cedida ao Império Austríaco pelo Tratado de Campofórmio.
Na Europa medieval, especialmente em Veneza, o Carnaval era, igualmente, a festa da saciedade e da inversão.
A inversão de valores e de costumes vinha desde a quebra da hierarquia até ao que aborrecia ou atrapalhava: o empregado era servido pelo patrão, o pobre ironizava o poderoso, o homem se fantasiava de mulher, num travestismo consentido e incentivado. E o carnaval passou a representar o contrário do ritual codificado. Distribuía-se comida aos pobres, para que ficassem saciados numa época em que passavam fome.Todos esqueciam as mágoas e entravam numa espécie de país das maravilhas.
Nas festas pagãs, os deuses e heróis eram motivo para ironia e os religiosos também participavam do clima, simulando brincadeiras obscenas.
Dançavam nos conventos e os lugares sagrados se transformavam em palco de licenciosidade, até que, no século 13, o Papa Inocêncio III promulgou uma bula para banir os espetáculos das igrejas, proibindo que o clero participasse de festas e da devassidão.
Máscaras e fantasias
O primeiro registro do uso de máscaras e fantasias vem de uma lei do ano de 1268, que autorizava o porte não somente no carnaval mas, também, durante seis meses do ano. O anonimato sempre foi uma árvore de sombra frondosa e atos fora da lei e atitudes transgressoras, subversivas e imorais passaram a ser acontecimentos comuns. E o cidadão veneziano incorporou, durante a metade do ano, o hábito de sair às ruas mascarado e agir como bem lhe aprouvesse.
Durante séculos, essa total impunibilidade adquirida no Carnaval, ao mesmo tempo em que contribuiu para a estabilidade econômica de Veneza, precipitou sua queda. Cada pessoa desejava aproveitar a riqueza e os prazeres que ela podia comprar e multiplicar. E a festa pagã, que cada vez durava mais, fazia com que os dias da cidade fossem ficando literalmente contados.
Começando em outubro, o carnaval tornara-se a grande atração com bailes de mascaras e fogos de artifício, abusos sexuais, bacanais, orgias.
Vinha gente de toda Europa para aproveitar a transgressão consentida e regulada por decreto. E todo mundo ganhava: os hoteleiros, os donos de restaurantes, os gondoleiros e os fabricantes de máscaras. Transformada em cidade das festas e prazeres, Veneza viu diminuir sua influência política.
Em 1608, uma lei declarava o uso de máscaras grande ameaça ao funcionamento do Estado. Entre 1799 e 1806, já sob domínio da Áustria, o uso de disfarces passou a ser autorizado somente em festas particulares e assim, acabou o encanto.
Inspiração
O segundo governo austríaco (1815-1866) autorizou novamente as máscaras, mas o carnaval não era mais transgressão.Tornou-se uma parada de carros alegóricos ou um momento em que cada um tentava exprimir sua individualidade.
Apesar das mudanças - ou por causa delas - Veneza passou a ser o lugar preferido dos artistas. Wagner compôs lá parte de sua ópera Tristão e Isolda. Georges Sand, Alfred de Musset e Byron viveram belos casos de amor. Rossini, Bellini, Verdi também ali encontram inspiração para suas obras.
Mas os venezianos já não suportavam a censura austríaca e, em 1848, Daniele Manin proclamou a República, um breve intervalo no jugo e tentativa frustrada de emancipação. Em 1866, Veneza se reintegrou ao Reino da Itália e, do carnaval da liberdade total, sobraram apenas as lembranças.
A cidade continua a ser um destino turístico disputado, mesmo no inverno rigoroso. Nesse ano de 2009, entre 14 e 24 de fevereiro, viajantes do mundo inteiro repetem os mesmos temas do passado, de inspiração histórica ou puramente criativos, elegantes e refinados. A tradição das máscaras confeccionadas manualmente ficou preservada e os bailes tornam o carnaval veneziano moderno um espetáculo raro".
Thereza Pires
na Revista MIX BRASIL

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