É o filme, vencedor do Oscar em 1973, que acaba de ser lançado em DVD.
É Luis Buñuel em sua melhor forma: na linguagem fluida e livre dos sonhos, um ataque implacável aos donos do poder político, material e moral.
O roteiro (em parceria com Jean-Claude Carrière) não conta propriamente uma história, mas esboça uma série de tramas que se desfazem. Sonhos dentro de sonhos, anedotas e lendas enxertadas, pistas falsas, elipses bruscas.
A primeira seqüência dá a senha da situação que se repetirá com variações, como um pesadelo recorrente: amigos burgueses chegam para jantar na casa de um casal e descobrem que os anfitriões os esperavam apenas para a noite seguinte.
Dali partem todos, incluindo a dona da casa, para um restaurante nas redondezas, onde, quando estão prestes a fazer seus pedidos, descobrem que, num canto do salão, desenrola-se o velório do proprietário. Daí até o final, serão inúmeras as refeições frustradas, pelos motivos mais diversos: batida policial, manobras militares, ataque terrorista.
A figura-chave do grupo de grã-finos é Rafael Acosta (Fernando Rey), embaixador da republiqueta sul-americana de Miranda. Traficante de cocaína em conluio com seus amigos burgueses e com o establishment local, Acosta é o elo entre a Europa supostamente civilizada e o Terceiro Mundo miserável, corrupto e atrasado. Um não vive sem o outro.
Buñuel é impiedoso com o teatro de máscaras das elites.
Numa cena memorável, um homem (Julien Bertheau) passa de bispo a jardineiro numa simples troca de roupa. O hábito desfaz o monge.
Questionado sobre a presença de um antigo chefe de campo de concentração nazista em seu país, Acosta diz: "Chamá-lo de carniceiro é um exagero. Estive com ele um par de vezes e constatei que é um homem simpático e distinto".
São todos simpáticos e distintos nesse grupo de discretos monstros, com a roupa certa, o vinho adequado e as fórmulas de conveniência na ponta da língua.
Buñuel ri deles, de nós e de si próprio.
Pretendo revê-lo!
Resenha da FSP
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