dezembro 28, 2013

O Caminho para a Liberdade




"Um Vitral em Decadência

O barão Georg Von Wergenthin está sozinho em sua casa, em Viena, investigando por meio de documentos e cartas a vida de seus antepassados. Para ele, no passado, os homens funcionavam como relógios, enquanto ele e seus contemporâneos andam perdidos sem sair do lugar. Essa imagem permeia o primeiro capítulo do extraordinário romance de Arthur Schnitzler, O Caminho para a Liberdade (pela primeira vez lançado no Brasil, muito bem traduzido por Marcelo Backes), e pode ser vista como um resumo de como o autor via o homem moderno: decadente e alienado.
Publicado em 1908, trata-se da obra mais ambiciosa de Schnitzler, mais conhecido por suas narrativas curtas - peças, contos e novelas. Assim como Virgílio conduz Dante em A Divina Comédia, o vacilante músico Georg leva o leitor pela sociedade austríaca da virada do século, que vivia uma espécie de auge cultural - Schnitzler foi contemporâneo, entre outros, do compositor e maestro Gustav Mahler (1860-1911), do escritor Karl Kraus (1874-1936) e de um dos maiores gênios da história da humanidade, Sigmund Freud (1856-1939), o fundador da psicanálise.

O FIM DE UMA CULTURA

Com exceção de Freud, esses e outros personagens são retratados satiricamente e com nomes falsos, na prática conhecida como roman à clef ("romance com chave"). Forma-se, assim, um mosaico do ambiente artístico e intelectual vienense. Intrigas, duelos, perseguições (o livro antecipa o antissemitismo) e manifestações políticas povoam ruas e cafés de Viena, com sua aristocracia necrosada e um ambiente em que a cultura dá lugar a relações eróticas clandestinas, coquetismo e loucura.

A trama se desenvolve em torno do caso amoroso entre Georg e Anna, burgueses e amantes da música. Anna engravida acidentalmente de Georg e os dois resolvem dar o filho à adoção. Com base nesse tema, trivial e pungente, o autor alinhava sua sinfonia.

Tardiamente conhecido no Brasil, sobretudo com O Breve Romance de Sonho (novela que inspirou o último filme de Stanley Kubrick - De Olhos Bem Fechados), Arthur Schnitzler é um dos mais importantes autores da língua alemã. Psiquiatra de formação, tem seu nome ligado ao de Freud pela análise aguda das neuroses sexuais de seus personagens. Em O Caminho para a Liberdade, no entanto, Schnitzler deixa de lado o romance curto para jogar na liga dos escritores que traçam grandes painéis de época, como Thomas Mann (Os Buddenbrooks, 1901), Marcel Proust (Em Busca do Tempo Perdido, 1913) e Robert Musil (O Homem Sem Qualidades, 1931). Assim como eles, o autor pintou os estertores de uma época e o despertar do homem moderno.
Sua sensibilidade percebeu a perseguição aos judeus muito antes de Hitler chegar ao poder."

ANDRÉ NIGRI  (aqui ) e  também  Os tempos de Schnitzler

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