junho 08, 2012

Como era mesmo a música?



"Você já tentou se lembrar de uma música enquanto outra está tocando? É possível, mas é preciso um esforço consciente para suprimir a que está entrando pelos ouvidos.
A tarefa fica ainda mais difícil se a música que você tenta recordar for parecida com a que está ouvindo; aí pode ser preciso parar o disco (ou o iPod, vá lá) antes que seus neurônios consigam reativar o padrão da melodia que você procura.
O esforço para lembrar conscientemente de uma música ilustra como a memória funciona: por associação, usando os mesmos elementos ocupados pelos sentidos, e com registros independentes da formação da memória ("eu sei que eu me lembro dessa música") e da memória em si (a música).
A associação permite que ouvir o comecinho da música traga todo o resto de volta -ou que você só consiga lembrar do refrão se primeiro passear mentalmente por toda a melodia inicial. Como um novelo de lã, é preciso achar o fio da meada: alguma "ponta" da música, representada por algum conjunto de neurônios em seu cérebro, que permita puxar consigo todos os outros até chegar naquele pedaço de música que você busca.
Por isso, também, melodias se confundem: por funcionarem associando sons, como notas umas depois das outras, os mesmos neurônios podem participar da representação de mais de uma melodia.
E, se esses neurônios estiverem ocupados com a que entra pelos ouvidos no momento, será difícil arrancá-los do seu trabalho da vez para evocar a melodia da qual você quer se lembrar. Por isso a lembrança vem mais facilmente quando a música exterior acaba.
Mas talvez a melodia não se materialize imediatamente e, em seu lugar, fique aquela sensação de "ponta da língua" musical.
Dá quase nervoso essa sensação de eu-sei-que-eu-sei-mas-não-consigo-lembrar-o-que-eu-sei: é prova de que a memória não é uma coisa só, mas um conjunto de sistemas que armazenam cada um a melodia da música, ou as palavras, ou onde e com quem você mais ouvia a música, ou as emoções que ela despertava -e por isso você se lembra de umas coisas antes das outras.
Até que, do meio do nada, a melodia surge em seus ouvidos mentais. Uma vez iniciado conscientemente ("como é mesmo aquela música?"), o processo de evocação de memórias musicais não precisa mais da sua atenção para continuar. Sua rádio interna toca sozinha..."

SUZANA HERCULANO-HOUZEL

Um comentário:

Anônimo disse...

Bom artigo e muito bom o novo layout da pagina.