janeiro 10, 2012

Wislawa Szymborska

Agradecimento


Devo muito
aos que não amo.

O alívio de aceitar
que sejam mais próximos de outrem.

A alegria de não ser eu
o lobo de suas ovelhas.

A paz que tenho com eles
e a liberdade com eles,
isso o amor não pode dar
nem consegue tirar.

Não espero por eles
andando da janela à porta.
Paciente
quase como um relógio de sol,
entendo o que o amor não entende,
perdoo,
o que o amor nunca perdoria.

Do encontro à carta
não se passa uma eternidade,
mas apenas alguns dias ou semanas.

As viagens com eles são sempre um sucesso,
os concertos assistidos,
as catedrais visitadas,
as paisagens claras.

E quando nos separam
sete colinas e rios
são solinas e rios
bem conhecidos dos mapas.

É mérito deles
eu viver em três dimensões,
num espaço sem lírica e sem retórica,
com um horizonte real porque móvel.

Eles próprios não veem
quanto carregam nas mãos vazias.

"Não lhes devo nada" -
diria o amor
sobre essa questão aberta.

* * *

DIVÓRCIO

Para os filhos, pela primeira vez o fim do mundo.

Para o gato, novo dono.

Para o cachorro, nova dona.

Para os móveis, escadas, rangidos, caminhão, transporte.

Para a parede, quadrados brancos depois de retirados os quadros.

Para os vizinhos do térreo, um tema, um intervalo no enfado.

Para o carro, seria melhor se fossem dois.

Para os romances, poesia -de acordo, leve o que quiser.

Pior para a enciclopédia e o videocassete

e para aquele manual de escrita

onde se encontram talvez as regras de uso dos nomes compostos -

se ainda os liga a conjunção "e"

ou se os separa um ponto final.

Nota :  Para   POEMAS  ( arquivo em PDF da Companhia das Letras)  siga por   aqui   
Link no título para saber mais  . 



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