outubro 13, 2011

Haja Hoje Para Tanto Ontem

"Pois haja, pois haja. Tanto ontem. Como disse o escritor (Paulo Leminski). Penso na frase, um poema inteiro em apenas cinco palavras, ao perceber que, outro dia, morreu Steve Jobs. Nem parece. Os ciclos noticiosos andam a tornar-se mais velozes do que os ciclos da vida. Morrer já não tem tanto significado. Morre-se como se vive: ansiosamente, velozmente, esquecivelmente.
Tenho a ideia que chego tarde na procissão. Que me perdoe o Steve, mas quem é que ainda tem alguma paciência para um assunto quente da semana passada? Na verdade, é esse o ponto que me interessa. A rapidez com que passamos de um tema a outro. A nossa era da desatenção.
Estamos sem Norte, estamos sem bússola. Frequentamos redes, sedentos de novidades, famintos pelo novo. E o novo cedo torna-se velho. E o velho torna-se uma pálida lembrança, uma vaga memória.
Uma memória nada vaga, portanto, para ilustrar a minha tese. Lembro-me de uma história que hoje contada mais parece do século passado (por acaso, é). Ali pelo final dos anos 80, estava eu a viver em São Paulo. Um dia, saio da escola de cinema e decido ir a pé para casa. Era já noite e a caminhada longa. Mas, lembrei-me que haveria um eclipse. Andando por entre o frio e feio concreto daquela capital, atravessando avenidas pejadas de carros e fumos, aconteceu o inesperado. Por todos os lados, as pessoas olhavam embevecidas para o alto. Edifícios, como gordas parideiras, despejavam dos seus ventres famílias, crianças, adolescentes e velhos. Todos sorriam, davam "boa noite" aos passantes, apontavam para o céu. Aquilo não era mais uma metrópole, São Paulo travestia-se de aldeia pequena e baldia, uma cidade com o tamanho do homem.
Há pouco tempo, estava de passagem por terras paulistanas. E outra vez um eclipse me visitou. Soube do evento por uma foto publicada no perfil de um amigo no Facebook. Nostálgico, fui até a janela do hotel. Na rua, apenas pessoas indiferentes à Lua. Falavam aos telemóveis, num passo apressado. Regressei ao computador. Mas um pensamento impediu-me de navegar pela net: "Que mundo é este em que os eclipses já não animam nem excitam?"
Concluindo, parafraseio o outro: Elvis morreu, Lennon morreu, Jobs morreu e a humanidade não anda a passar lá muito bem. E volto ao poeta Leminski: "Antigamente, se morria. 1907, digamos, aquilo sim é que era morrer. Morria gente todo dia, e morria com muito prazer, já que todo mundo sabia que o Juízo, afinal, viria, e todo mundo ia renascer. Morria-se praticamente de tudo. De doença, de parto, de tosse. E ainda se morria de amor, como se amar morte fosse".
Haja hoje para tanto ontem. Pois haja, pois haja. Mas que tal irmos com um pouco mais de calma em direcção aos amanhãs?
Edson Athayde

Um comentário:

Lireuda disse...

PuxA! E não é que é isso mesmo!
Adorei!