julho 05, 2011

Vovô voou na vala


"O tido como "gordo tosco" Germain, interpretado pelo cada vez melhor Gérard Depardieu, arranca lágrimas quietinhas da gente no cinema em um momento singelo de "Minhas Tardes com Margueritte".
Ele entrega à velhinha que dá nome ao filme -na vida real, Gisèle Casadesus- uma bengala, de gosto duvidoso, mas que tinha o objetivo sincero de sustentá-la e protegê-la no caminhar naturalmente vacilante de quem já viveu 95 Carnavais.
Pena que a delicadeza da cena da película francesa não seja assim tão bem vista, ainda, por idosos em geral. Precisar de um apoio, de uma adaptação, de uns óculos mais diferençados, de uma cadeira de rodas para não estatelar a cara no chão pode beirar o vergonhoso, o derrotado, o resto do tacho... tips, tips.
O resultado de visões tão imperativas diante de uma realidade óbvia da existência humana -a de que o amanhã, provavelmente, nos deixará mais capengas do que hoje- tem provocado um fuzuê, quando não um chororô, na casa de muitas famílias.
É só olhar ao redor e é possível encontrar histórias de velhinhos que se quebraram por inteiro ao escorregar no piso lisinho, no tapetinho solto do banheiro, ou que caíram ao não verem o degrauzinho da cozinha, ou que ganharam um galo na cabeça ao toparem com a gaiola do periquito na varanda. Isso quando o relato não é mais dramático, como o vovô que voou ao não ver a vala da calçada malcuidada na esquina.
Estudo recente da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo mostrou que 43% das quedas dos idosos rolam dentro de casa e que 63% do público entrevistado já caiu mais de uma vez. Ou seja, é preciso dar um jeito de segurar os velhinhos em pé, sentados, apoiados, amparados, pois, se caírem, o resultado pode ser broca, quando não uma perda total.
No momento em que se começa a atravessar o "cabo da Boa Esperança", como costuma dizer minha mãe, é hora de repensar a disposição dos cacarecos dentro de casa, a rotina das tarefas e as prioridades da vida. Querer achar que, para conviver bem com o envelhecer, basta comprar tablete Santo Antônio para tingir o cabelo não é lá muito recomendado.
Mesmo nos lares de vovós saradas, lavadas e bem passadas, é interessante ter um ambiente livre de "coiserada" espalhada, com piso antiderrapante e banheiro com barras de apoio. Para os que vivem sozinhos, é bacana ter sempre à mão contatos de gente que pode acudi-los na hora do aperto. Quando for encarar a rua, ligar o regime máximo de atenção. Ter um desequilíbrio e ficar vulnerável a um capote pode ser comum para quem já queimou muita pestana.
Madame Margueritte, do filme, é apaixonada por literatura e por aproveitar "as coisas simples da vida" -que dá nome a outra trama fantástica, japonesa. Ela acredita que terá pouco tempo mais de luz, pois uma doença acomete suas vistas. Por outro lado, rearranja o futuro por meio de Germain, que ganha gosto pela leitura das grandes obras e amor fraterno pela amiga.
As fases da vida, sejam quais forem, podem ser mais bem aproveitadas quando a gente entende que são únicas em suas necessidades e que é possível contentá-las em tardes de conversas ao sol ou com medidas simples do dia a dia". 


JAIRO MARQUES 

Um comentário:

Anônimo disse...

Retiro do texto, somente para repetir e fazer-nos pensar mais profundamente : As fases da vida, sejam quais forem, podem ser mais bem aproveitadas quando a gente entende que são únicas em suas necessidades e que é possível contentá-las em tardes de conversas ao sol ou com medidas simples do dia a dia".