Quando a literatura é um pretexto.
Elizabeth Costello é um romance sobre o tempo e a transitoriedade, cuja leitura nos lançaria "num irresistível purgatório de inquietações".
Li do mesmo autor Diário de um ano ruim (comentei aqui). Neste, na metade superior da página o que se lê são ensaios (escritos pelo personagem principal) e na metade inferior lemos o romance, que consiste no seu diário de um ano ruim. Sendo um livro dentro do livro se pode ler de várias formas. Neste caso, filosofar dentro do romance foi genialmente resolvido na medida em que a inserção de ensaios não quebra a narrativa, dispensando a intercalação da história com as discussões. Tudo fica literalmente junto.
Em Elizabeth Costello, o que se verifica é a inserção do ensaio no romance, a exposição e discussão de idéias dentro da narrativa. Assim, o romance se divide nas palestras que Elizabeth ministra ou assiste, a que se seguem discussões, argumentações, questionamentos sobre o ponto de vista enunciado.
Embora Coetzee proponha logo no início a questão de como fazer caber, no mesmo espaço, literatura e idéias: “O realismo nunca esteve à vontade com as ideias. Não poderia ser de outro jeito: a premissa do realismo é a idéia de que as ideias não têm existência autônoma, que só podem existir nas coisas. De forma que quando se tem que debater idéias, como aqui, o realismo é levado a inventar situações (...) nas quais os personagens dão voz a idéias conflitantes e assim, em certo sentido, as encarnam”
Filosofar em um romance não é tarefa fácil. Expor e desenvolver idéias dentro da narrativa, tentando não deixar em segundo plano a literatura propriamente dita, às vezes, pode não dar certo...
Elizabeth(ou Coetzee) conclui: " Sou escritora, uma mercadora de ficções...tenho apenas crenças provisórias: crenças fixas me atrapalhariam. Mudo de crença como mudo de casa ou de roupas, de acordo com minhas necessidades. (...)Sou escritora , e o que escrevo é o que escuto. Sou secretária do invisível ..."
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