março 17, 2011

Bolo de casamento

O BOLO de casamento que mais me fascina foi sempre o da Madame Bovary, ou melhor, o de Emma, ao se casar com Charles numa festa campestre com homens e mulheres vestidos simplesmente. O pâtissier era de outra cidade e deu o bolo de presente para conseguir mais clientes.
"Na base havia um quadrado de papelão azul, representando um templo, com pórticos, colunatas, e ao redor, estatuetas de estuque em nichos constelados de estrelas em papel dourado. Em seguida, vinha, no segundo andar, uma torre de bolo da Savoia, rodeado de minúsculas fortificações em angélica, amêndoas, uvas-passas, pedaços de laranja e, enfim, sobre a plataforma superior, que era um prado verde com rochedos e lagos de calda, barcos em cascas de avelãs, viu-se um pequeno cupido, oscilando num balanço de chocolate, cujas hastes terminavam no cume com dois botões de rosas naturais, à guisa de esferas."
A comida salgada tinha tudo a ver com a região e o status social dos noivos. Leitão, lombos, cabrito, chouriço e nos quatro cantos da mesa garrafas de aguardente. Jeffrey Steingarten dedicou um capítulo especial de seu livro "Deve Ter Sido Alguma Coisa que Comi" (Companhia das Letras) ao bolo de noiva. Ótimo artigo, inteligente e engraçado, onde ele se interroga um pouco sobre a origem desses bolos, quase obrigatórios, e lembra que ele próprio ao se casar ficara intrigado achando que melhor seria se fosse um bolo de carne e bem saboroso.
Lá pelos anos 70, aqui em São Paulo o bolo passava por tempos difíceis. As pessoas questionavam não somente o bolo, mas o casamento. E se ninguém comia o bolo, para que servia? Como símbolo, é claro.
Mas esquecido o símbolo, era considerado caipira por muitas noivas. Só a Maria Luiza Ricci os fazia maravilhosos e caríssimos e vinha ao bufê mostrar seus produtos em álbuns, avisando em alto e bom tom. "Não é caipiragem, é arte." Dizia e provava. E moldava esculturas de oito andares que eram levadas por ela em peruas, deitados ela e o bolo, no chão do carro. E os bolos ricamente decorados foram se afirmando, principalmente porque passaram a ser bonitos de verdade.
Na Inglaterra estudaram o hábito na Escócia. Antes dos bolos de noiva, havia nos casamentos bolinhos pequenos como bolachas colocados uns sobre os outros que eram esmigalhados sobre a cabeça dos noivos, como um voto de fertilidade. (O arroz de hoje). E chegaram à conclusão que a hora do corte do bolo branco e cheio de flores era o desvirginar da noiva. Ou a imagem de cortar o pão e comê-lo, junto com os amigos.
Ou a primeira tarefa conjunta do par. Ou o bolo representava a própria noiva e sua vestimenta.
Entre parênteses conto que fiquei bem triste por não ter onde procurar material. Há um livro consagrado sobre o assunto "Wedding Cakes and Cultural History", de Simon R. Charleys. Mas onde encontrá-lo? Pois não é que tinha na Amazon, no Kindle, para baixar? É demais.
Antropólogos, artistas, estudiosos de plantão. O bolo de noiva é assunto para uma tese de doutorado cheia de fotos. O que não vai faltar serão as fotos. Nesta crônica queria era apresentar esse livro (sem ilustrações) para os leitores e assanhar a todos para esse assunto fascinante. 


NINA HORTA 

Nota: Leia aqui outra crônica da autora sobre  o  Bolo de Noiva de Emma Bovary  (p.185/186 de Não é sopa: crônicas e receitas de comida)

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