fevereiro 18, 2011

Notícia pessoal do Egito

"É ISSO aí: pirâmides, camelos, Alá é grande! -com esse obrigatório tripé pode-se fazer um cartão postal ou um superficial artigo sobre o Egito. Há alguns séculos, os egípcios se acomodaram com o lugar que ocupariam na história e, por conta própria ou forçados pelas circunstâncias, esqueceram-se de que a caravana continua, com ou sem o ladrar dos cães.
Foram necessários alguns equívocos nacionais, dominações estrangeiras e guerras perdidas até surgir a imagem de um Egito interessado em devorar a sua própria esfinge para sair da lenda e regressar à vida.
O avião parece que vai descer no deserto. Somente quando as rodas do aparelho tocam o chão, surge a fatia do asfalto. É quase como pousar num porta-aviões: em vez de água, a areia do deserto que começa lá na costa do Atlântico, atravessa com o seu pó diversos países, acredito que só termina para abrigar a poça imóvel e salgada do mar Morto. Para tal e tanto deserto, o Cairo é um imenso oásis com uma população de 16 milhões de habitantes que fazem barulho por 100 milhões -o cairota gosta de falar e gesticular, é o napolitano do Oriente Médio.
Bem, ali estou aquecido pelo sol que só se põe num céu absurdamente limpo. Já vi muitos rios, o Danúbio, o Sena, o Volga, o Arno, o Pó, o Tibre, o Tejo, o Tâmisa. o Amazonas, o Reno -mas entrego os pontos: o Nilo é de longe, e também de perto, o mais belo de todos, largo, azul e dadivoso, não é à toa que o Egito foi uma dádiva daquele rio.
Rosnam as más línguas que a represa de Assuã, construída pelos soviéticos, além de não mais atender às necessidades industriais do país, provocou dramático acidente ecológico: o celebre húmus, que espalhava a fertilidade pelas margens ambas do misterioso rio, ficava depositado no fundo da represa. E sangrava pelas disciplinadas artérias da barragem um líquido fraco, sem a seiva fecunda que gerou a primeira civilização importante do homem.
E é por esse lado que devo começar a visita ao Egito. Como se deve entender um país que, nos tempos de Cristo, já tinha sido? Olhado do alto do avião ou dos compêndios de história, o Egito é uma serpente cheia de escamas que desce do Sudão para o Mediterrâneo, serpente que também pode ser uma espinha dorsal: alguns quilômetros férteis à esquerda e à direita, o mais é areia. Mesmo assim produzia o melhor algodão do mundo.
Apesar do bom tamanho (quase um milhão de quilômetros quadrados), apenas 4% do seu território são aproveitáveis, o resto é o enigma da Esfinge que amplia outros enigmas espalhados em cada dobra do horizonte. Tirante o esplendor de seu passado, o país foi quase sempre dominado pelos impérios vizinhos, até que se acomodou em ser colônia de potências mundiais. Ficou então funcionando como uma espécie de Disneyworld para arqueólogos e paleontólogos que terminaram resumidos no espécime único: o egiptólogo.
Leão majestoso e exótico, enjaulado pelo tempo e humilhado pela história, desde os Otomanos, o Egito foi pasto de conquistadores de vários tamanhos e intenções. Alexandre ali fundou a cidade que até hoje tem o seu nome. Marco Antonio trocou aquele areal estéril pelo corpo roliço da rainha do Nilo. Mamelucos faziam tiro ao alvo no nariz da Esfinge, guarda secular da sacralidade do deserto. Quando os ingleses, que mandavam na região, resolveram restaurar a monarquia da ex-colônia, ninguém esperava que os grandes "ras" saíssem de seus mausoléus para dar continuidade às dinastias faraônicas.
Na impossibilidade de convocar Quéops, Ramsés, Acnaton e Amenófis, os ingleses chamaram Fuad, um sultão do deserto, para rei. Durou pouco. Seu filho Faruk, imberbe ainda, subiu ao trono, fez tanta besteira que acabou fugindo como um ladrão. Vieram os coronéis, o mais ambicioso de todos foi Nasser, que sonhou com um império pan-arábico. Seu motorista substituiu-o no poder, chamava-se Anwar Sadat. Assinou famoso tratado de paz com Israel e foi assassinado por um oficial egípcio. Um outro coronel, Hosni Mubarak, tomou o poder há 30 anos. Semana passada teve de fugir do Cairo, enxotado por milhões de vozes que ele dominara e silenciara". 


CARLOS HEITOR CONY 
 Nota: o mapa  não fazia  parte da ' notícia'.

Um comentário:

hugo medina disse...

Por esses mundos outros o Egito é uma das melhores recordações de viagem que tive. Já por aqueles tempos, pois já tenho "uma certa idade" era gritante de tão visível a vigilância dos locais públicos. Ora, dentro de uma saco de pipoca poderia pipocar um bomba. Nosso hotel, five stars, tinha três vigilantes vestidos à ocidental armados até os dentes. Coisa estranha! Nao. Medo de atentados. Ainda assim, escoltado pela polícia o dia inteiro foi uma das mais instigantes viagenes que fiz com uma turma de portugueses de aldeia. Pense!. Está escrito: Há uma hora certa para tudo. Depois dos últimos agitos nao sei se retornaria. Quem sabe! Afinal, tudo é melhor com emoção. Ah, três semanas após, na segurança e no aconchego do lar, eis que explodiram uma cadeia de hoteis na riviera egípicia. Eita, que pais era ou é aquele. E ainda aparece otário reclamando do Morro do Alemao. Vou morar no morro do Alemão. Juro! bjum