dezembro 28, 2010

O mundo é pequeno

"OS MEUS amigos me abandonaram. Uns moram no Brasil. Outros partiram para o Brasil. Para passar o Natal e a virada do ano.
Que barbaridade. Haverá maior sacrilégio? Como é possível viver a quadra natalícia, esse tempo arcádico que Charles Dickens praticamente inventou no século 19, nas areias de uma praia? Alguém imagina o Papai Noel de bermuda e chinelos, bebendo uma caipirinha? E as renas? Quem acredita que esses pobres bichos sobreviveriam no calçadão de Ipanema? Natal no Brasil é um erro de casting.
A Europa, pelo contrário, cumpre o papel. Chuva. Frio. Neve. Atrasos nos aeroportos. Mortos nas estradas. Um Natal tradicional. Exatamente como deve ser.
E, para além de tudo isso, até a chuva, o frio e a neve têm direito a tratamento jornalístico especial. Não sei quando começou essa moda. Talvez com a histeria ignara do aquecimento global. O que sei é que não existe jornal ou programa de TV que não seja um longo show de meteorologia.
Começa com coisas banais. É dezembro. Os termômetros desceram em todo lado. E os repórteres europeus saem para as ruas para noticiar o fato: faz frio, chove, cai neve. Os fatos são comunicados à nação como se estivesse iminente uma invasão alienígena. A nação treme. Não de frio, mas de medo.
Alguns jornalistas, não contentes com o medo, apostam no pânico. E questionam o cidadão comum: "O que pensa do frio?" O cidadão comum, perante as câmeras, não ri nem agride o jornalista. Inicia uma longa dissertação sobre a problemática do frio.
Faz sentido. O frio é um problema. Só em Portugal, o Instituto de Meteorologia tem por hábito lançar "alertas" de acordo com o estado do tempo. Existem "alertas" para todos os gostos. E de todas as cores. Vermelhos. Amarelos. Laranjas. Desconheço o que significam. Mas sei que se multiplicam. Lisboa pode estar sob "alerta vermelho" e, horas depois, passar para amarelo. Ou vice-versa. Aceitam-se apostas.
Mas o melhor não é a cor dos "alertas", são os conselhos que vêm atrelados. Se faz frio, por exemplo, as autoridades aconselham o uso de roupa quente. Se chove, aconselham guarda-chuva. Parece óbvio, mas não é: um povo infantilizado começa a perder a capacidade básica para distinguir fatos básicos. Se não houvesse "alertas", desconfio que a população seria como o Papai Noel brasileiro: pronta para enfrentar a tempestade de bermuda e chinelos.
Porque a triste verdade é que estamos mais infantis do que nunca. O jornalista britânico Michael Bywater, em livro sobre a matéria ("Big Babies, Or: Why Can't We Just Grow Up?", grandes bebês, ou por que não podemos simplesmente ficar adultos), já tinha alertado para o fato: a todas as horas, em todos os lugares, são infindas as campanhas que tratam o parceiro como criança.
Campanhas que nos dizem o que devemos ser, pensar, comer, dizer, como nos devemos comportar, vestir e até se despir, ou não fosse o sexo o prato principal das sociedades adolescentes em que vivemos.
Essa infantilização absoluta dos cidadãos não é apenas praticada por autoridades democraticamente eleitas, que aconselham roupa quente quando faz frio ou guarda-chuva quando cai chuva.
Encontra-se na quantidade obscena de publicações que determinam "estilos" e "tendências" como se um ser adulto precisasse de ter um "estilo" e cultivar uma "tendência". Escreve Bywater, em frase primorosa: "O meu pai não tinha estilo de vida. Ele tinha uma vida." Curioso. O meu também. E o seu, leitor?
No Ocidente balofo e pós-ideológico, ninguém tem uma vida para viver em paz. Porque só é possível ser adulto quando somos deixados em paz: nós, confrontados com as nossas escolhas e responsabilidades, sem uma mão paternalista a guiar as nossas existências.
O circo em volta impede essa autonomia ao prolongar perpetuamente a infância. Quando somos tratados como crianças, dificilmente deixaremos de ser crianças.
Hoje é o frio. Amanhã será a forma correta de inspirar e expirar o ar, conhecida antigamente como "respiração". Um dia, quem sabe, haverá uma autoridade qualquer para aconselhar o uso de fraldas 24 horas por dia. É mais seguro e, além disso, nem sempre existem banheiros ao virar a esquina". 


JOÃO PEREIRA COUTINHO

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