"Não se exatamente se foi Nelson Rodrigues ou Millor Fernandes, mas um destes escreveu algo sobre o valor, o peso de certas expressões chulas, quase proibidas, como Porra! Puta que pariu! Merda! Caralho! É foda! Vá tomar no...! e tantas outras. O autor defende o uso de qualquer uma dessas, dependendo da ocasião, como instrumento de expressividade, de ênfase, de arrefecimento de ânimo, talvez mesmo de esclarecimento definitivo.
Pego carona no tema, não para aprofundá-lo, mas apenas para examinar uma outra vertente, que diz respeito à entonação, à força que se dá, no uso desse ou daquele impropério, considerando, ainda, o lugar e a situação onde a coisa acontece. Minha mãe e minha avó costumavam ralhar com qualquer um de nós, se, com ar de impaciência, raiva ou desânimo, dissesse: Oh, meu Deus! - A admoestação vinha logo, às vezes com ameaça de punição: Não xingue, menino! ou, então: Não use o Santo nome de Deus em vão!
Em circunstâncias diversas, posso me enternecer ante a reação coloquial de um amigo ou parente: Onde cê andava, seu fela da puta! - ou Vem cá, corninho!. Em outra situação, se os ânimos estão carregados, basta alguém dizer a outrem: Qual é, cara! ou Posso falar, excelência!?
Morro de pena de alguém que mostra a um amigo o retrato da filha adolescente, merecendo um comentário do tipo: Ela é bem interessante! ou Bonitinha.....!
Palavras já incorporadas, a duras penas, ao diálogo coloquial, foder e foda têm significados diversos, dependendo da situação, do contexto e da entonação, quase sempre alheios à agradável transação sexual. Se alguém me diz, de inopino: É foda!, preciso me situar na coisa, antes de concluir que é impropério, exaltação a um acontecimento ou reclamação desesperada. Vá se foder, por exemplo, é bem diferente de Vamos foder...
Não se pode, ainda, deixar de lado o processo de envelhecimento por que passa a maioria dos adjetivos. Nenhuma mulher aceita de bom grado a classificação de bonita; se não vier fortalecida por um Aí é.... ou Bote bonita nisso!, a conclusão da vítima pode ser (embora silenciosa): Puxa, ele(a) me acha feia, sem graça!
O diminutivo de determinados substantivos ou adjetivos pode, às vezes, revelar enlevo, carinho (que coisinha gostosa!), mas quase sempre reflete pequenez, desvalor. Quando concluí o Curso de Direito (fiz o último ano em Natal, já nomeado para a Alfândega), visitei Canindé, em férias de final de ano, merecendo muitas manifestações de carinho de parentes e amigos, numa cidade onde havia estudado parte da infância, em casa dos avós paternos. Uma dessas pessoas era o Joel, barbeiro mais conhecido da cidade, que eu costumava ir chamar para barbear meu avô em casa, já combalido de uma cirrose que o levaria ao túmulo. Ao me receber, foi logo dizendo: Doutor Artunani, o neto do seu Gervásio! Sem esperar, disse logo: Frescura, Joel, negócio de doutor!!!. Dias depois, passando em sua barbearia, mereci o tratamento delicado: Como vai, doutorzinho? Fui obrigado a rever minha posição: Não, Joel, se quiser pode até me chamar de doutor, mas doutorzinho, nunca!
A língua inglesa, sempre preocupada com esse problema de ênfase no dizer, destina parte do ensino à questão de time and tune, depositando toda a consideração na forma como deve ser entoada a linguagem oral.
Puta merda, como é difícil a gente se entender; caralho! "
Artunani Martins
Nota: Link no título para o blog contosdoartunani.
2 comentários:
Égua, macho, esse é um puta dum tema!!!!
Na verdade, Zélia, também acho: inesgotável! Talvez seja assim, devido a sua estreita relação com a (in)comunicabilidade no rebanho dos racionais.
Artunani
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