Quando no século XVII, Murillo pinta junto à Sagrada Família uma panela, dir-se-ia que prefere a grosseira realidade desta a toda a corte celestial; sem a espiritualizar, incluiu-a no céu com o seu humilde cheiro a sopa.
Quando no século XX, Chagall pinta animais que caminham no céu, onde grandiosas tormentas cromáticas fosforescem através de todos esses seres, dir-se-ia que prefere o transcendental a toda a grosseira realidade do mundo humano.
Ao longo da história, as fases de toda a arte podem diferenciar-se simplesmente pelos distintos objectos que os artistas apreendem e poderia imaginar-se uma história, que consistiria em enumerar os temas preferidos de cada época, sem omitir, claro, aqueles, cuja ausência podem ser igualmente significativos. Assim, ao longo dos séculos, no Ocidente cristão, a corte celestial, de forma lenta e gradual via-se substituída por uma visão humana mais próxima do real. Tão lenta foi a ruptura, que o homem moderno do século XX mal se apercebeu de tão profunda mutação. A corte celestial tinha tido o seu tempo e caiu no esquecimento.
Depois o tempo encurtou, as mudanças tornaram-se mais rápidas, e na mesma Paris onde Apollinaire baptizava os quadros de Chagall com títulos surreais, (Auto-retrato com sete dedos, O soldado que bebe…), na rue de Fleurus, Gertrude Stein, que reunia à sua volta o espírito da época, era retratada, de forma abstracta, pelo seu amigo Picasso. Durante uns anos, até chegar à perfeição de um axadrezado de cores e geometrias pronunciadas, Picasso deixava o cubismo para converter as suas figuras em seres mais sensíveis de carne e osso. Nesses anos de transição, em que Marie-Thérèse lhe dava uma filha ...

...na mesma altura em que se apaixonava por Dora Maar,

...as obras do velho e do novo estilo de Picasso, alternam durante muito tempo, de tal forma que à época, o homem reduziu essa distância, a uma simples coexistência. Só a distância no tempo, viria a revelar a verdadeira mutação na obra do artista. O cubismo tinha tido o seu tempo.
No século XX, com a vulgarização da máquina fotográfica, o gozo por uma visão exacta da realidade tomou conta do homem. Este meio mecânico, que já tinha quase um século de vida, captava, a preto e branco, o mundo exterior sobre uma superfície plana. A cópia do real, que se podia reproduzir até ao infinito, atormentou então as teorias estéticas –poderiam essas cópias entrar nos museus?
Nos anos oitenta do século XX...
Nota: Link no título para ler a continuação. Um blog interessante que está ' abandonado'
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