setembro 09, 2009

Tomzinho querido...

Porto do Havre, 7 de setembro de 1964

Tomzinho querido,

Estou aqui num quarto de hotel, que dá para uma praça, que dá para toda solidão do mundo.
São 10 horas da noite, e não se vê vivalma.
Meu navio só sai amanhã à tarde e é impossível alguém estar mais triste do que eu.
E como sempre, nestas horas, escrevo para você cartas que nunca mando.
Deixei Paris para trás com a saudade de um ano de amor, e pela frente, tem o Brasil, que é uma paixão permanente em minha vida de constante exilado.
A coisa ruim é que hoje é 7 de setembro, a data nacional, e eu sei que em nossa embaixada há uma festa, que me cairia muito bem, com o Baden mandando brasa no violão.
Há pouco telefonei para lá para cumprimentar o embaixador, e veio todo mundo ao telefone.
Estão queimando um óleo firme!
Você já passou um 7 de setembro Tomzinho, sozinho, num porto estrangeiro, numa noite sem qualquer perspectivas? É fogo maestro!
Estou doido para ver você e Carlinhos e recomeçar a trabalhar. Imagine que este ano foi praticamente dedicado ao Baden, pois Paris não é brincadeira! Mas agora o Tremendão aconteceu mesmo! A Europa teve que curvar-se! Mas ainda assim, fizemos umas músiquinhas, como “Formosa“. Você vai ver! Tudo sambão! Parece até que a saudade do Brasil quando a gente está longe, procura mais a forma do samba tradicional do que a Bossa Nova; não é engraçado? São como diria o Lucio Rangel: “as raízes!”.
Vou agora escrever para casa, pedindo dois menus diferentes para minha chegada. Para o almoço, um tutuzinho com torresmo, um lombinho de porco bem tostadinho, uma couvinha mineira e, doce de coco. Para o jantar, uma galinha ao molho pardo, com arroz bem soltinho e, papos de anjo. Mas daqueles que só a mãe da gente sabe fazer! Daqueles, que se a pessoa fosse honrada mesmo, só devia comer, metida em banho morno, em trevas totais, pensando no máximo, na mulher amada. Por aí, você vê como estou me sentindo; nem cá, nem lá!
Fiquei muito contente com o sucesso de “Garota de Ipanema“, nos Estados Unidos. E Astrudinha, hein? Que negocio tão direito. Vamos ver se desta vez, os intermediários deixam “algum” para nós!
Fiquei muito contente também, com a noticia do sucesso de “Berimbau” aí no Brasil. Dizem que estão tocando a músiquinha “pra valer”! Isso me alegra muito pelo Baden. E pra que mentir? Por mim também! É bom saber que a gente não foi esquecido, que o povo continua cantando as nossas coisas; pois no fundo mesmo, é pra ele que a gente compõe! Lembro-me tão bem, quando fizemos o samba, uma madrugada, há uns 3 anos atrás, por aí. Eu disse ao Baden: isso tem pinta de sucesso. E ficamos cantando e cantando o samba até o sol raiar.

“Quem é homem de bem não trai o amor que lhe quer seu bem.
Quem diz muito que vai não vai, assim como não vai, não vem.
Quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar ninguém.
O dinheiro de quem não dá, é o trabalho de quem não tem.
Capoeira que bom, não cai, e se um dia ele cai, cai bem.
Capoeira me mandou, dizer que já chegou, chegou para lutar.
Berimbau me confirmou, vai ter briga de amor, tristeza, camará.”

Vinicius