agosto 20, 2009

Terror e consumo

"O caderno "Mais!" publicou, em 9/8, o trecho de uma carta de Isaiah Berlin para um amigo, na qual ele falava de suas impressões sobre o compositor russo Dmitri Chostakóvitch quando este foi à Inglaterra receber um prêmio.
Era 1958, plena Guerra Fria, e Berlin comenta os males que o regime comunista havia feito a Chostakóvitch, cujos atos e rosto mantinham permanentes pavor e assombro. Observa a devastação que regimes totalitários causam nas pessoas, aniquilando nelas suas possibilidades de indignação, de resistência, de protesto, a ponto de elas passarem a achar sua situação absolutamente normal.
De fato, a duração prolongada da repressão torna-a uma experiência familiar e natural.
As pessoas não a veem mais como a origem de seu sofrimento. Ao contrário, o mal é proveniente delas próprias, de qualquer discordância ou contestação que façam ao regime.
A pianista Zhu Xiao-Mei, que viveu sob o governo de Mao, relata em seu livro "O Rio e Seu Segredo" situação semelhante.
Também ela incorporou, como se fossem suas e contra si mesma, as crenças e ideais dos seus opressores. Para anular o que considerava males burgueses, o regime impediu o acesso dos estudantes a qualquer informação ou literatura, senão o "Livro Vermelho" de Mao.
O exercício do terror pelos sistemas totalitários, mesmo que respaldado pela fundamentação das ideologias, revela o excesso de ignorância que dominou parte do mundo no século 20. E a inexorável conexão entre violência e ignorância.
Violência e ignorância sempre se associam contra o que é diferente, criativo, novo, livre...
Perseguem, vigiam, destroem o que não aceitam, não conhecem e não compreendem. Só a ignorância é capaz de se imputar a posse da verdade e de empunhar a violência.
Não experimentamos, no Brasil, a potência destrutiva e asfixiante desses regimes totalitários. Até a ditadura militar foi uma pálida sombra diante deles. Se há uma experiência atual que nos permite compreender o medo e o terror sofrido pelas pessoas sob governos totalitários é o medo da violência urbana.
No âmbito da política, as formas de governo que se servem do terror estão em extinção.
Não porque se tenha abandonado a pretensão de controle e obediência absolutos, mas por se ter aprendido que esse controle é possível sem o terror.
O consumo substituiu o terror. Parece que se entendeu que a melhor fórmula para dominar um homem é mantê-lo entretido e obcecado com a satisfação de seus desejos e necessidades. Para tanto, a manipulação da opinião pública, fazendo-a crer que tais desejos e necessidades são originalmente seus, é o principal meio.
Básicos ou supérfluos, desejos e necessidades são insaciáveis. Aprisionam-nos num ciclo sem fim de reposição e canalizam para si a energia disponível. Ficamos sem forças para a indignação, para o protesto, para os cuidados com o mundo, para a realização pessoal."

DULCE CRITELLI , terapeuta existencial.

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