agosto 26, 2009

Sigismund Neukomm

"A cravista Rosana Lanzelote lança neste mês um CD que chama a atenção para um personagem fascinante: o compositor e maes­tro Sigismund Neukomm. Nascido em Salzburg, na Áustria, em 1778, ele desembarcou no Rio de Janeiro em 30 de maio de 1816. Ao retornar à França em 1821, tinha deixado marcas profundas na história da música brasileira. Considerado um dos maiores organistas de sua época, Neukomm foi aluno de Joseph Haydn e colega de estudos de Ludwig van Beethoven, em Viena. No Brasil, compôs 45 obras, que até hoje surpreendem os especialistas pelo refinamento e pela complexidade. Incluem a Marcha Triunfal à Grande Orquestra, uma orquestração de seis valsas do príncipe d. Pedro, de quem foi professor, além de uma Marcha Sinfônica, uma Missa e um Te Deum para a cerimônia de aclamação de d. João 6o, em 1818. Outra grande contribuição sua foi o registro de modinhas de Joaquim Manoel da Câmera, famoso pela habilidade ao violão.
No Rio de Janeiro, Neukomm freqüentava a casa do barão Von Langsdorff, cônsul-geral da Rússia, cuja mulher tinha sido sua aluna. Era um ponto de encontro dos músicos, compositores e cantores da corte, que ali se reuniam para conhecer e executar novidades chegadas da Europa. Um dos freqüentadores era o padre José Maurício Nunes Garcia. Mulato e pai de três filhos, o padre é considerado hoje o mais importante compositor brasileiro da época da corte de d. João. Neukomm tinha por ele grande admiração e amizade. Depois de vê-lo reger a primeira execução do Réquiem de Mozart em solo brasileiro, em 1820, escreveu um artigo deslumbrado para o jornal Allgemeine Musikalische Zeitung, de Viena, elogiando a performance do amigo brasileiro.
A obra musical de Neukomm é relativamente bem conhecida. Sua trajetória pes­soal, ao contrário, permanece ainda cercada de mistérios. Um enigma diz respeito a sua atividade política. Alguns historiadores levantam a suspeita de que teria sido um espião a serviço de Charles-Maurice de Talleyrand, o mais poderoso ministro da França do começo do século 19. A música era, de longe, a forma de arte preferida da corte portuguesa, e Neukomm, um dos mestres mais promissores de sua época. Isso teria facilitado o seu acesso ao círculo próximo de d. João 6o, com o objetivo de informar Talleyrand das alianças e conspirações em andamento no Rio de Janeiro.
Um segundo enigma tem a ver com a sua vida privada. Bonito, famoso, solteiro e sem filhos, Neukomm tem seu nome numa lista de quatro homossexuais não assumidos da corte de d. João, elaborada pelo antropólogo Luiz Mott, presidente do Grupo Gay da Bahia. Os outros três seriam d. João de Almeida de Melo e Castro, o conde de Galvêas; Francisco Rufino de Souza Lobato, visconde de Vila Nova da Rainha; e o próprio d. João 6o. Na falta de estudos mais aprofundados sobre a biografia de Neukomm, nenhuma dessas insinuações foi até hoje comprovada. Resta, portanto, analisá-lo sob a ótica exclusiva da música."

Laurentino Gomes é escritor, autor de 1808.
(Na Bravo! de novembro. É que só adquiri o CD/DVD no último sábado)

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