agosto 06, 2009

Outras idéias

"Duvido que muitos brasileiros se identifiquem com o colunista americano Herb Caen, que confessou: "Costumo viver no passado porque minha vida está quase toda lá". Neste país do futuro, consumidores valorizam o que é novo ou está na moda, e "progresso" é o lembrete inscrito na bandeira. Aqui, dizem: "Quem vive do passado é museu". Os brasileiros vão a museus ver arte contemporânea, e não artefatos culturais. Ao contrário dos europeus, têm pouca ligação com a própria história. Aqui, cidades coloniais têm sofrido décadas de descaso. Em comparação, os italianos glorificam seu passado preservando grande parte da Roma antiga e usando vilarejos toscanos como repositórios de arte e arquitetura medieval e renascentista. Os alemães confrontam a vergonha de seu terrível passado do século 20 construindo museus do Holocausto e memoriais em campos de concentração e fazendo filmes sobre atrocidades nazistas Os brasileiros, no entanto, vivem no presente hi-tech.
O Brasil se gaba de ter o quinto maior número de usuários da internet no mundo e 50% de todos no Orkut. O Rio é a capital mundial da cirurgia plástica, que remove traços do passado do rosto. Brasília, que JK disse ser projetada como "uma ruptura total com o passado", ainda parece futurista 49 anos depois. E carrões superequipados são tão comuns que é difícil acreditar que João Goulart fugiu do país de Fusca.
Por não olharem para trás, os brasileiros não entendem a fascinação americana pelo ritual da reunião de turma. A cada década, centenas de colegas da mesma escola voltam à cidade natal para compartilhar lembranças da adolescência, uma parte crucial de seu passado.
Não perdi uma em 40 anos. O aviso do filósofo americano George Santayana -"aqueles que não se lembram do passado estão condenados a repeti-lo"- é ignorado aqui. Que outro povo tem memória tão curta que elege para o Senado um presidente que se retirou para evitar impeachment e mantém coronéis no poder depois de abusarem do mesmo? Corrupção e impunidade são tradições tão antigas e enraizadas que expõem uma das maiores contradições do Brasil, que é também o país do passado.
Esta também é uma cultura centrada nos jovens. Ao contrário das culturas chinesa e indígena, não venera os mais velhos pela sabedoria. Aqui, os idosos se sentem inúteis. Então, raramente aparecem em público, como em Pequim, onde praticam artes marciais nos parques, ou em Amsterdã, onde passeiam de bicicleta. Aqui, assistem à parada passar de suas janelas.
O idoso vive mais no passado do que os outros porque muito mais de sua vida está lá. Ainda assim, o passado se acumula atrás da gente a cada respiração. Mas só tem valor se você aprende com ele.
Ou, como disse Kierkegaard: "A vida só pode ser vivida olhando-se para a frente, mas só pode ser compreendida olhando-se para trás". "
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 26 anos no Brasil.

Um comentário:

Anônimo disse...

A bem da verdade, a nossa vida está (toda, toda, todinha) lá.

E não me é doloroso aceitar esse desenlace -- digo, no sentido de deixá-lo solto, lá atrás.

Doloroso seria apagar as imagens que trago e conservo comigo, nesse cineminha perene com as telas do passado, que me alimenta o presente e a busca (ôps, que venha a mim, já não corro em seu encalço) por um incerto futuro.

Zelinha, que bom que eu vim aqui te visitar. Estás repleta de coisas (post) boas, benzadeus. Uma delícia lê-los.

Edson