dezembro 07, 2008

Pudor e Celular

Andei lendo um artigo interessante de autoria de Jonathan Franzen que é apontado como o principal nome da nova geração de escritores americanos. Seu trabalho foi publicado na "Technology Review" e, traduzido por Clara Allain, veio parar na FSP, onde o li um dia destes.
O autor, se dizendo a favor dos avanços tecnológicos, descreve as modificações provocadas pelo uso do celular, nos espaços públicos e nas formas de sensibilidade vigentes. A irritação que lhe causa tais comportamentos me fez lembrar o personagem do conto do Julien Barnes (do livro "Um toque de limão") que, incomodadíssimo com espirros, tosses e fungados durante os concertos desenvolveu várias teorias sobre como punir os "infratores". A estória é ótima!
O celular, todos sabem, foi uma das novidades modernas, cujo sucesso foi rápido e total. Porém, embora existam pessoas que usam dois ou três ao mesmo tempo, há as que, simplesmente, não aderiram e passam muito bem sem ele. Não sentem a menor falta. O que deve ser verdade.
Tenho pelo menos dois amigos, em cidades diferentes, entre estes resistentes. Acredito que sofram muitas pressões. Eu sequer comento o fato. Eles fizeram a opção. Quando os procuro em casa e não os encontro, deixo recado na secretária eletrônica ou ligo mais tarde.
Há quem não acredite que a vida possa funcionar desta maneira.
Coincidentemente,(?) de ambos, já ouvi quase as mesmas queixas quanto às variadas formas de mau uso do celular nos espaços públicos. (A um deles fiz lembrar o velhinho irritado do conto do Barnes). Telefones que tocam na sala de aula (um deles é professor), concerto, teatro, cinema, casamentos, audiências, supermercados, no trânsito. E no ônibus - onde me encontro - todos estão avisando que o ônibus está "quase na ponte".
O pior disto, acho que presenciei ontem no restaurante onde almoçávamos. Na mesa vizinha, enquanto comia, alguém falava em dois telefones ao mesmo tempo.
O autor do texto que inspirou este comentário vai mais longe:
“De todas as variedades cada vez piores de mau comportamento ao celular, aquela que mais profundamente me irrita é a que, pelo fato de não fazer vítimas evidentes, aparentemente não irrita a mais ninguém. Refiro-me ao hábito -incomum há dez anos, mas hoje onipresente- de encerrar conversas ao celular gritando "amo você!". Ou, ainda mais opressivo e exasperador, "eu te amo!". Isso faz sentir vontade de me mudar para a China, onde não entendo a língua que as pessoas falam. Me dá vontade de gritar”
A banalização destas "fórmulas" usadas nas despedidas (as quais eu acrescentaria "um beijo no seu coração", argh!) o levou a dar ao seu artigo o título de“amor sem pudor “.
Ele diz mais: “O componente celular de minha irritação é simples e direto. Simplesmente não quero -enquanto estou comprando meias ... ou na fila para comprar um ingresso e me ocupando com meus pensamentos pessoais ou tentando ler um romance num avião quando o embarque ainda não foi encerrado- ser arrastado em minha imaginação para o mundo pegajoso da vida doméstica de algum ser humano próximo.
E não existe declaração de mais alto calibre que "eu te amo" -não há nada pior que um indivíduo possa impor a um espaço público comum. Mesmo "vá à merda, imbecil!" é menos invasivo, na medida em que é o tipo de coisa que pessoas iradas às vezes gritam em público e que pode igualmente bem ser dirigido a um estranho.
".
Para ele, o avanço tecnológico que causa danos sociais mais importantes é o celular por expor ao risco de ser ridicularizado quem se queixar dele publicamente.
A gente é obrigada a lhe dar razão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Zélia, o que acho pior é que todas essas novas tecnologias (lembro bem das palavras de Fritjof Capra numa entrevista à Globonews há uns dois anos) deveriam ter vindo para nos dar mais lazer, mais tempo de descanso, pois facilitariam o cumprimento de tarefas simples e também de tarefas complicadas. Mas não: nós fazemos é trazer conosco e levar conosco o trabalho, os problemas familiares e os de todas as ordem etc. em todos os momentos e para todos os locais, de modo que não sobra tempo para muito lazer.
Odeio a cena - super banal nas nossas cidades - dos motoristas (em geral já muito ruins e mal educados) ligados em suas conversas através de celulares. Para mim são homicidas em potencial, pois, além do celulares em ação permanente, alguns também têm, em seus veículos, música ou até mini-tv ligada. E se isso pelo menos contribuíssem para lhes elevar o nível intelectual...
Além disso, acho p.ex. uma falta de educação muito grande quando alguém, em uma situação de dia-a-dia normal, sai para jantar comigo (às vezes chez moi!) e eu tenho de ouvir diversas conversas telefônicas, algumas inclusive desinteressantíssimas. Este tipo de gente acaba deixando de lado, pois, se prefere o celular a mim, que fica com o celular. Beijos do TL

Anônimo disse...

Zélia, eu chego la´.... Dentro de uns poucos anos vou livrar-me do celular.... Ainda que voce nao entenda que uma pessoa possa viver sem um celular nos dias de hoje.... Me aguarde.