Estou fechando 1968 sobre o qual muito se falou, aqui e alhures, com a última do Ruy Castro em que registra o início do desbunde...
Ligado no dane-se
À zero hora de 1969, todos os quartos do Solar da Fossa estavam iluminados. Havia 80 festas de Réveillon ardendo ao mesmo tempo. Em várias, a música que saudou o ano novo foi "Also Sprach Zarathustra", de Richard Strauss, famosa por "2001 - Uma Odisséia no Espaço", o filme do ano. O fornecedor da trilha sonora era eu, levando o LP de quarto em quarto e assuntando o universo feminino de cada um.
O Solar era um lindo casarão colonial em Botafogo, perto da igrejinha do Túnel Novo. No século 19, fora um convento. Mas, em 1968, seus moradores -aspirantes a artistas, poetas e jornalistas, como Gal Costa, Paulinho da Viola, Betty Faria, Itala Nandi, Paulo Leminsky, Maria Gladys- não eram muito religiosos. Nem Zé Kéti, o único já famoso.
Quase ninguém tinha televisão -não se perdia tempo assistindo-a. Toca-discos, sim, nem que fosse uma vitrolinha Sonata. No meu hit parade particular estavam "Vou te Contar (Wave)", com o Quarteto 004, e "Light My Fire", com José Feliciano. Para fins imorais, o Modern Jazz Quartet era perfeito -abafava o som ambiente e não perturbava os vizinhos.
Naquela última noite de 1968, o AI-5 ainda não completara três semanas. Vários amigos estavam presos; outros tinham se escondido e só então começavam a reaparecer. Que eu saiba, não ocorreu aos homens dar uma batida no Solar. Ainda bem -90% dos inquilinos eram inimigos do regime.
Mas, mesmo ali, 1969 seria outra história. Bertrand Russell ficaria out; Herman Hesse, in. Passeatas na avenida Rio Branco dariam lugar a idas a Arembepe, na Bahia. Peritos em coquetéis Molotov passariam a ferver cogumelos. Uma palavra tomou conta: desbunde. Surgia um mundo novo, irreconhecível e, bem ao contrário de 1968, ligado no dane-se e movido a cada um na sua.
Um comentário:
Mui Triste!
Lala
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