setembro 21, 2008

ONDE ANDARÁS?

Ninguém suporta o fim arbitrário de um amor feliz. Este foi o mote da crônica do Ferreira Gullar (na Folha de hoje) que desencadeou lembranças que ela acreditava definitivamente arquivadas. Na estória do cronista,“ela gritou da janela: COMEÇO A TE ESPERAR, quando ele saiu do prédio e iniciou o caminho sem volta para o outro lado do mundo".
No entanto, ela não alimentou esta última esperança. Não era possível. O tempo dele havia se esgotado. Iria para a Bulgária, para eles, o outro lado do mundo . Separar-se dele para sempre, era como morrer. Mas tinha que seguir em frente. Quem propôs que não houvesse despedida foi ele. Ao ver dela, uma maldade sem tamanho. Com o argumento de que a dor seria menor, também não deveríam se comunicar, o que “só aumentaria o sofrimento”. Tudo assim bem esquematizado e frio. Como alguém pode saber, numa situação destas, o que dói mais, o que aumenta ou diminui o sofrimento? Para ela foi demais. Decidiu que se separariam, ali mesmo, naquele exato momento. Ainda faltavam alguns dias até ele sumir, definitivamente, da vida dela, quando nunca mais o veria . Jogou-se em seus braços chorando e sem dar-lhe tempo para dizer qualquer outra palavra, saiu correndo para o elevador, em soluços.
Que ele num dia qualquer de dezembro iria partir, ela sabia desde o dia em que o conheceu. Era março. Quando começaram a se envolver, falaram nisto como se estivesse muito distante.....Sorriam ao pensar que tinham data certa para “acabar”. Nada podiam fazer para mudar esta realidade . O que não lhe saía da cabeça era aquela proposta. Parecia uma fórmula já testada, ele estava seguro de que funcionaria se agissem daquele modo.
Naquelas alturas, ele só pensava em retornar para sua casa, seus amigos, sua gente. A mulher, segundo fazia crer, não tinha mais tanta importância. Dentro dele estava encerrada aquela temporada, não só para fins burocráticos e de trabalho.
Tentou retomar a vida, mas se sentia destruída, em frangalhos. Os amigos começaram a perceber que algo não ia bem com ela. Apenas sorria e nada revelava. Não tinha absorvido o choque da proposta. E ainda levou muito tempo para conseguir mencionar esta estória.
Passados alguns dias, deu-se conta de que estava antecipando o sofrimento e decidiu procurá-lo para uma “despedida” à sua maneira, não sabia qual. Continuava tendo acesso ao seu apartamento. Saiu do trabalho e foi para lá.Enquanto o aguardava pegou uma revista e preparou um campari.
Pela firmeza que até então demonstrara, ele não podia supor que ela voltaria e talvez estivesse até, de um certo modo, aliviado. Finalmente, tinha sido fácil convencê-la.
Na sala do apartamento havia um container onde estavam sendo colocadas os objetos que adquirira ao longo do ano. Ela fazia parte da história de cada um deles, mas agora nada disto tinha qualquer significado. Passou a ter a sensação de haver sido usada, de que fora útil e conveniente, até que deixou de ser e foi descartada,"sem despedidas".
Foi ao quarto e viu no criado-mudo cópias de e-mails. Sempre tivera acesso a tudo, sabia de toda sua vida pessoal e profissional , não achou demais lê-lo. As datas eram recentes. Estava sendo restabelecido um relacionamento e marcavam, para o mês seguinte,(janeiro) um encontro no mesmo café, em Estocolmo, que antes frequentavam.
Pegou o telefone e ligou para a Itália, para a mulher dele. Perguntou-lhe se ela sabia que ele tinha uma amante chamada Tereza. Diante do espanto dela, se identificou e declarou que era sua mulher naquela cidade que ele, sob falsos e diferentes motivos, nunca permitiu que ela visitasse. E acrescentou que ele, como sempre fazia (ela devia saber), estava partindo para outra. Na circunstância, se identificaram como vítimas do mesmo homem, com uma rival comum chamada Tereza. Falou que estava no apartamento dele, e fez comentários que só uma pessoa que tivesse intimidade poderia fazer. Pretendia dar credibilidade ao que afirmava. Avisou-a que ele chegaria dentro de duas horas, tempo que precisava para estar com ele, antes que ela ligasse. Foi perfeito. Aproximando-se do horário previsto, contou que ele ia receber um telefonema de sua mulher e porque.O e-mail continuava em cima do criado-mudo.
A surpresa foi tamanha que ele não esboçou qualquer reação aos ataques que ela lhe fazia ao telefone. Deitada ao seu lado, ela se limitava a ouvir, enquanto tentava disfarçar o seu sorriso satânico.
A despedida que ele quis evitar tinha acontecido, à maneira dela. Quatro meses depois, soube que ele estava no Chile, ligou só para ouvir que ele estava mal. Tão mal quanto ela, que nunca recompôs sua vida nem o esqueceu.
Onde andará ele, hoje?

Um comentário:

Anônimo disse...

...eu acho que ja ouvi algo parecido, em alguma ocasiao, se bem lembro ... a arte imita a vida, ou é o contrario...
bia