julho 14, 2008

Danielle Miterrand

Diante da notícia do lançamento de "Comme si de Rien n'Était" (como se nada tivesse acontecido) da inexpressiva Carla Bruni é inevitável e oportuno relembrar a grandeza de Danielle Miterrand, trazendo o que ela escreveu ao povo francês, após haver recebido críticas impiedosas por ter permitido a presença da amante do marido e de sua filha, Mazarine, na sua cerimônia fúnebre:
"Antes de mais nada devo deixar
claro que não é um pedido de desculpas. Muito menos um
enunciado de justificativas vãs, comum aos covardes ou
àqueles que vivem preocupados em excesso com a opinião
dos outros. Aos 71 anos, vivendo a hora do balanço de uma
existência que é um sulco bem traçado e profundo, já
não mais preciso, e nem devo, correr atrás de possíveis
enganos. Vivo o momento em que as sombras já esclarecem e
que as ausências são lindas expressões de perenidade e
criação. Sombras e ausências podem ser tudo, ao passo
que luzes e presenças confundem os mais precipitados, os
mais jovens.
Vivi com François 51 anos; estive com ele em muito desse
tempo e me coloquei sempre. Há mulheres
que não se colocam, embora estejam; que não se situam
embora componham o cenário da situação presumível. Uma
vida de altos e baixos. Na época da Resistência nunca
sabíamos onde iríamos passar a noite, se na cama, na
prisão, nos bosques ou estendidos por toda a eternidade.
Quando se vive assim em comum, cria-se uma solda e a
consciência de que é preciso viver depressa.
Concentrar talvez seja a palavra. Por
isso tentei entendê-lo, relacionar-me com sua
complexidade, com as variações de sua pessoa e não de
seu caráter...
Quem entende ou, pelo menos luta para
compreender as variações do outro, o ama realmente. E
nunca poderá dizer que foi enganada ou que jamais enganou.
Não nos enganamos, nos confundimos quando nos perdemos da identidade vital
do parceiro, familiar ou irmão. Ou jamais
os conhecemos, o também, não é um engano. Quem não
conhece, não tem enganos. Nas variações do outro, não
cabe o apaziguador que destrói tudo antes do tempo em forma de tranqüilidade.
Uma relação a dois não deve ser
apaziguada, mas vibrante, apaixonada, e não, enfastiada.
Nessa complexidade vi que meu marido era tão meu amante
quanto da política.
Vi, também, que como um homem
sensível poderia se enamorar, se encantar com outras
pessoas, sem deixar de me amar.
Achar que somos feitos para um único e
fiel amor é hipocrisia, conformismo. É preciso admitir
docemente que um ser humano é capaz de amar
apaixonadamente alguém e depois, com o passar dos anos,
amar de forma diferente. Não somos o centro amorável do
mundo do outro. É preciso aceitar, também, outros amores
que passam a fazer parte desse amor como mais uma gota
d'água que se incorpora ao nosso lago.
Simone de Beauvoir dizia bem, que temos
amores necessários e amores contingentes ao longo da vida.
Aceitei a filha de meu marido e hoje
recebo mensagens do mundo inteiro de filhos angustiados que
me dizem:
- "Obrigado por ter aberto um
caminho. Meu pai vai morrer, mas eu não poderia ir ao
enterro porque a mulher dele não aceitava ".
É preciso viver sem mesquinhez, sem um
sentido pequeno, lamacento, comum aos moralistas, aos
caluniadores e aos paranóicos azedos que teimam em sujar
tudo.
Espero que as pessoas sejam generosas e
amplas para compreender e amar seus parceiros em suas
dúvidas, fragilidades, divisões e pequenas paixões.
Isso é amar por inteiro e ter
confiança em si mesmo'.
Deus não prometeu Dias sem Dor; Risos
sem Sofrimentos; Sol sem Chuva.
Ele prometeu Força para o Dia;
Conforto para as Lágrimas e Luz para o Caminho...'

Um comentário:

Anônimo disse...

Belo texto, maduro, inteligente. Ela coloca claramente que amor nao é a posse nem o dominio da pessoa amada, mas um compartilhamento das etapas boas e mas ao longo de um percurso no tempo.
BEA