Mente e Cérebro - a revista que une as partes na edição deste mes de junho traz o artigo abaixo. Ocorre que, ironicamente, no texto faltam partes. E "partes" importantes. Se a omissão foi deliberada (qualquer que tenha sido a motivação), ou, simplesmente, fruto do desconhecimento do autor, é, em qualquer caso, inaceitável.
Como se verifica no último parágrafo, a literatura gay cubana é mencionada apenas para referir-se as "situações difíceis" dos escritores, o que o autor do artigo "ilustra" narrando, como pilhéria (no caso, de muito mau gosto), episódio que envolveria o poeta Virgílio Piñera.
Admitindo o desconhecimento do autor quanto às reais dificuldades dos intelectuais cubanos que sempre estiveram longe de poderem ser reduzidas a terem milharais ou canaviais, como local para manter encontros amorosos, trarei na próxima postagem comentário acerca da obra de REINALDO ARENAS.
"Fenômeno recente, a literatura explicitamente gay se impôs nas três últimas décadas, dentro do contexto de liberação sexual"
"Lord Byron (1788-1824)
"To get out of the closet, sair do armário, é uma expressão muito usada para designar a atitude de homossexuais que assumem sua orientação. Esse processo, porém, nunca foi fácil. A homossexualidade é reconhecida há milênios, mencionada na Bíblia e em textos da Antigüidade clássica; mas, apesar da tolerância grega em relação a ela, de maneira geral tratava-se de transgressão e dificilmente poderia ser abordada em texto, a não ser de forma críptica, camuflada, como acontece em sonetos de Shakespeare. A literatura explicitamente gay é, portanto, relativamente recente. A rigor, só há cerca de três décadas o gênero se impôs dentro do quadro de liberação sexual que permitiu a muitas pessoas abordar o tema na ficção, na poesia, no ensaio. Os autores atuais dão prosseguimento à obra daqueles que, homossexuais ou não, falaram corajosamente do “amor que não ousa dizer seu nome”.
A editora americana Triangle, especializada em literatura gay, pediu a um grupo de intelectuais e autores uma lista das 100 melhores obras no gênero. Mesmo com absoluta e previsível preponderância de americanos, obteve uma lista notável: começando com Morte em Veneza, de Thomas Mann, passando por Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, e chegando a O beijo da mulher-aranha, do argentino (que viveu no Brasil) Manuel Puig, autores importantíssimos são citados: James Baldwin, Jean Genet, André Gide, Virginia Woolf, E. M. Forster, Gore Vidal, Marguerite Yourcenar, Evelyn Waugh, Gertrude Stein, Truman Capote, Christopher Isherwood, Colette, Henry James, Lezama Lima. A essa relação poderíamos acrescentar os nomes de Lord Byron, Walt Whitman, Allen Ginsberg, García Lorca, Oscar Wilde, Arthur Rimbaud e Tennessee Williams.
No Brasil são listados, entre os escritores homossexuais, João do Rio (cuja sexualidade foi objeto de muitas disputas), Pedro Nava, Caio Fernando Abreu, Walmyr Ayala. Há pelo menos um clássico de nossa literatura que aborda o tema da homossexualidade: é O bom crioulo (1895), de Adolfo Caminha, escritor que faleceu muito jovem, e autor de uma sombria obra, na qual o romance mencionado não constitui exceção. Dentro do espírito da época, é um texto naturalista que narra a ligação entre o negro Amaro, escravo fugido que se torna marinheiro, e o grumete Aleixo, que trabalha na mesma embarcação. O livro é, portanto, duplamente “transgressor”: amor entre homens, amor entre um negro e um branco. Amaro, que tem 30 anos, domina Aleixo, que, com seus 15, ainda é quase um menino. Caminha introduz ainda uma prostituta, Carolina, que, seduzindo Aleixo, cria um inusitado triângulo amoroso, que termina em tragédia quando Amaro mata Aleixo e é preso. Publicado no Reino Unido, na Alemanha, na França, no México, em Portugal, o livro teve grande repercussão.
Mesmo obtendo êxito, contudo, os autores homossexuais passaram por situações difíceis. Na Cuba de Fidel Castro eram mal-vistos e isso originou um incidente lendário com o poeta Virgilio Piñera que, em certa ocasião, teria se embrenhado com um rapazinho num milharal. Avisada, a polícia cercou o local e surpreendeu os dois em flagrante. O policial que comandava a operação perguntou a Piñera o que ele estava fazendo. “É uma espécie de reforma agrária”, respondeu o trêmulo poeta. Dentro da abertura cubana, isso possivelmente não acontecerá mais. E como Fidel nos garantiu que os milharais cubanos não serão transformados em biocombustível, podemos esperar progressos reais."
Moacyr Scliar é médico, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras
Um comentário:
Gostei muito desse texto. Pena ele ter não mencionado João Silvério Trevisan.
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