junho 27, 2008

APARIÇÃO

Este é o meu primeiro contato com o escritor português Vergílio Ferreira tão pouco lido por estas bandas....Mas a verdade é que, no geral, se lê muito pouco.
“Aparição” é um constante questionamento existencial que, em muitas momentos, nos faz lembrar Camus.
É a estória contada pelo jovem Alberto que chega à Évora, numa manhã de setembro, para ser professor do Liceu.
“A cidade resplandecia a um sol familiar, branca, enredada de ruas como de velhas ciladas, semeada de ruínas, de arcos partidos, nichos de santos das orações de outras eras, janelas góticas, como olhares embiocados. Évora mortuária, encruzilhada de raças, ossuário dos séculos e dos sonhos dos homens, como te lembro, como me dóis! Escrevo à luz mortal deste silêncio lunar, batido pelas vozes do vento, num casarão vazio. Habita-me o espaço e a desolação. E é como se aqui ouvisse ainda a tragédia da planície nos teus corais de camponeses. Subo a rua que leva à Sé, viro ao largo do Templo de Diana. E nas colunas solitárias ouço como o murmúrio antigo de uma floresta imóvel. O zimbório da Sé brilha, dourado ao sol matinal. Fico a olhá-lo longo tempo, parado sob um arco que se lança sobre a rua, suspenso de silêncio e de memória. Depois que as ruas descem apressadas, oblíquas a velhos medos, até outras ruas obscuras, onde me perco. E finalmente descubro o edifício do Liceu.”
Há uma reflexão incessante sobre o passado não ser mais o mesmo e que toda memória seria uma elaboração do pensamento/sentimento. Quem garante que aconteceu daquele jeito mesmo... ?......
“Conto tudo, como disse, à distância de alguns anos. Neste vasto casarão, tão vivo um dia e agora deserto, o outrora tem uma presença alarmante e tudo quanto aconteceu emerge dessa vaga das eras com uma estranha face intocável e solitária. Mas os elos de ligação entre os fatos que narro é como se se diluíssem num fumo de neblina e ficassem só audíveis, como gritos, que todavia se respondem na unidade do que sou, os ecos angustiantes desses fatos em si — padrões de uma viagem que já mal sei.”
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“É preciso vencer esta surpresa que nestes casos nos esmaga . Ajustar a vida à morte. Achar e ver a harmonia de ambas . Mas achá-la depois de sabermos bem o que é uma e outra, depois de nos encadearmos na sua iluminação . Sabia caso o homem o milagre que destruía? Mas eu sei..
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Não amigo. Não é para essa tua fleuma abundante que eu tenho voz . Procura!O rasto da tua radiação divina, o lume secreto de tua aparição onde está ? Onde o perdeste amigo? Em que recesso do teu ar monolítico?

“Eu tinha um problema: justificar a vida em face da inverosimilhança da morte . E nunca mais até hoje eu soube inventar outro . De que podemos falar na conferência? Nada mais há na vida do que beber o vinho da iluminação e renascer outra vez . Riqueza ou miséria , ciência, vexame e a política e até a arte para tantos artistas , conhecimento do homem no corpo e no espírito - quantos modos de esquecer ou de não saber ainda o pequeno problema fundamental . Mas o que é extraordinário e me exaspera é que eu próprio tenha precisado de uma vida inteira para o saber . E quantas vezes agora o esqueço?....”

“Em momentos fulgurantes, pelo meio da noite, ela descobrira também a vertigem da vida , da sua pessoa, da gratuidade desse absurdo milagre , da interrogação para o amanhã.: “Eu já conhecia tudo”. Ou talvez não tivesse descoberto verdadeiramente e só agora, ao aviso da minha palavra, tudo se lhe revelasse em violência , num bater descompassado do coração . Que havia , pois, mais para a vida, para responder ao seu desvario de milagre e de vazio , do que vivê-la no imediato, na execução absoluta de seu apelo? Eliminar o desejo dos outros para exaltar o nosso. Queimar no dia- a- dia os restos de ontem . Ser só abertura para amanhã . A vida real não eram as leis dos outros e a sua sanção e o seu teimoso estabelecimento de uma comunidade para o furor de uma plenitude solitária . O absoluto da vida , a resposta fechada para o seu fechado desafio só podia revelar-se e executar-se na união total com nós mesmos , com as forças derradeiras que nos trazem de pé e são nós e exigem realizar-se até o esgotamento . Este “eu”solitário que achamos nos instantes de solidão final , se ninguém o pode conhecer , como pode alguém julgá-lo? E de que serve esse “eu” e a sua descoberta se o condenamos à prisão ? Sabê-lo é afirmá-lo. Reconhece-lo é dar-lhe razão. Que ignore isso o que ignora que é. Que o despreze e o amordace o que vive no dia-a-dia animal . Mas quem teve a dádiva da evidência de si, como condenar-se a si ao silêncio prisional? Ninguém pode pagar, nada pode pagar a gratuidade desse milagre de sermos . Que ao menos nós lhe demos a isso que somos , a oportunidade de sermos até o fim . Gritar aos astros até enrouquecermos . Iluminamos a brasa que vive em nós até nos consumirmos . Respondermos com a absoluta liberdade ao desafio do fantástico que nos habita....”
Para Alberto, a experiência estética é a única que traz ao homem a plenitude da vida.
Ainda não terminei e devo relê-lo, mas já me pergunto: o erotismo também não seria uma forma de plenitude ???

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