março 11, 2008

Bálsamo


Em tempos conturbados como o nosso, ler (ou reler) Memórias de Adriano é um bálsamo.
Um misto de romance histórico e romance psicológico, baseado em impressionante pesquisa sobre o Império Romano, em que se conhece a intimidade do Imperador Adriano( viveu no século II d.C.), numa narrativa na primeira pessoa, que seria, na verdade, uma carta que ele escreve para Marco Aurélio , seu sucessor.
Narra a sua vida desde a infância, passando pelas campanhas militares, seus altos e baixos na vida política, onde Adriano se revela um estadista ideal que, gradativamente, reordena um mundo fragmentado pela guerra.
Grego e muito culto, o Adriano de Marguerite Yourcenar é interessado pelas doutrinas orientais, ambicioso o suficiente para a conquista de um império, ao mesmo tempo em que se preocupa com ecologia, melhoria da vida dos escravos e, sobretudo, com a liberdade sexual.
Parte considerável da narrativa descreve sua paixão por outro homem.
Tudo num estilo elegante e preciso, bem ao gosto dos estilistas latinos de sua época.
Um deleite!

Não resisti e trouxe para cá este trecho:

"TRAHIT SUA QUEMQUE VOLUPTAS
A cada um a sua inclinação : a cada um também o seu objetivo , sua ambição se quiserem , seu gosto mais concreto e seu claro ideal .
O meu estava contido na palavra beleza , tão difícil de definir , apesar de todas as evidências dos sentidos e dos olhos. Sentia-me responsável pela beleza do mundo .
Queria que as cidades fossem grandiosas, arejadas, banhadas por águas claras, povoadas por seres humanos cujo corpo não tivesse sido deteriorado pelas marcas da miséria ou da servidão , nem pela vaidade de uma riqueza grosseira . Que os estudantes recitassem com entonação perfeita as lições que não fossem ineptas; que as mulheres mantivessem no lar uma espécie de dignidade maternal e que todos os seus movimentos fossem perfeita imagem do poder repousante. Que os ginásios fossem freqüentados por jovens que não ignorassem jogos nem artes ; que os pomares produzissem os mais belos frutos e os campos as mais abundantes colheitas.
Queria que a imensa majestade da paz romana se estendesse a todos, imperceptível , mas presente como a música do céu em marcha; que o mais humilde viajante pudesse de um país ou de um continente a outro, sem formalidades vexatórias e sem perigos, na certeza de encontrar em toda parte um mínimo de legalidade e de cultura. Que nossos soldados continuassem a sua eterna dança pírrica nas fronteiras ; que tudo funcionasse sem obstáculos , as oficinas e os templos ; que o mar fosse sulcado por belos navios e as estradas percorridas por grande número de atrelagens . Que num mundo bem organizado, os filósofos tivessem seu lugar e os bailarinos também .
Esse ideal, modesto em suma, estaria bem próximo se os homens colocassem a seu serviço uma parte da energia despendida em trabalhos estúpidos ou ferozes ; circunstâncias felizes permitiram-me realizá-lo parcialmente durante este último quarto de século ..."

Um comentário:

Unknown disse...

Esse livro é um dos meus prediletos. A incarnação da escritora na personagem é surpreendentemente bela e inspiradora. Muito bom...