"O mundo era maior, mais caro, e para os poucos que podiam pagá-lo o Pera Palace foi construído. Um opulento baile de abertura em 1895 celebrou a nova casa dos passageiros do Orient Express que desembarcavam no terminal de Sirkeci, em Constantinopla, saídos da Gare de L'Est, numa Paris a 3.000 quilômetros e 80 horas dali.
Depois dos palácios otomanos, o hotel foi o primeiro endereço da cidade a receber eletricidade e água quente. Também ganhou o primeiro elevador do país, uma extraordinária gaiola de ferro rococó que hoje apenas funciona no passeio guiado oferecido aos hóspedes por um concierge de chapéu após o check-in. Debruçado sobre o Bósforo, sofreu poucas mudanças antes da grande renovação de 2006 que durou quatro anos e lhe retirou apartamentos (eram mais de 150 e hoje são 115), além de deixá-lo com aquele cheiro anódino encontrado em hotéis de cinco estrelas por todo o planeta.
O suntuoso hall em mármore com seis cúpulas retráteis que abrem seus vidros turquesa para o vão central do edifício exibe uma mistura de orientalismo, art nouveau e neoclássico. Na virada do século, a salada francófila entre beaux-arts e estilo otomano ainda deveria ser inacreditável ou cafona para alguns olhos, mas hoje tudo é simplesmente "magnífico". É o que repete a guia de um grupo de japoneses que subitamente lota o lobby apontando câmeras fotográficas para o extravagante teto. Eles usam chapéus de pescador, elas, coletes de tweed. Depois, beberão chá --as mulheres num canto, os homens no outro.
Estou entre eles, tentando escrever e respirar a atmosfera do lugar que já teve entre seus hóspedes conspiradores, escritores, espiões, cineastas, beldades, políticos. Ou gente como Mata Hari, Alfred Hitchcock, Graham Greene, Sarah Bernhardt e Mustafa Kemal Atatürk, o pai-fundador da Turquia moderna, que chegou a morar por lá --seu quarto, o 101, é hoje um museu.
Outros célebres quartos, no entanto, ainda podem ser reservados. Há o 412 (Greta Garbo) e o 420 (Ernest Hemingway) --este tem dois frigobares, com doses alcoólicas proporcionais a conhecida sede do escritor. O mais emblemático deles é o 411, que a romancista Agatha Christie usou com frequência entre 1926 e 1932. Saía por módicos € 280 (R$ 920) na noite na data da publicação desta coluna. Como reza a lenda que ali ela escreveu "O Assassinato no Expresso do Oriente", grande sucesso de uma escritora que já vendeu 2 bilhões de livros, há quem acredite que o investimento possa valer à pena.
Desconfio que não. O turismo se apropria de tudo até esvaziar o significado ou a mística de qualquer lugar --e cinco minutos depois da chegada do grupo de japoneses, percebo o ridículo de pretender escrever algo ali, de querer ser o escritor dentro da fotografia (dos turistas do século 21 ou de um álbum de fotos em preto e branco no entreguerras, tanto faz) e me vejo como uma daquelas jovens americanas recém-chegadas a Paris que abre um moleskine num café e abre os olhos e narinas buscando inspiração.
O que eu encontraria no Pera Palace seria outra coisa. Além do fetiche literário para quem pode pagá-lo, o quarto 411 guarda a chave de um estranho caso relacionado a sua célebre hóspede. Agatha Christie desapareceu por 11 dias em 1926, aos 36 anos, quando já era conhecida em todo o mundo. Até hoje, muitos sustentam que a solução do mistério que ultrapassou a sua morte tenha estado por décadas sob o assoalho daquela suíte. Nos noites em que dormi no hotel, eu teria motivos para acreditar que sim".
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