agosto 09, 2013

Eichmann e os patetas


"Li uma coluna de Contardo Calligaris sobre o desejo humano de abdicar de sua capacidade de pensamento, delegando-a para alguém ou algo mais elevado. Justamente quando estava enfronhado na leitura do livro "Eichmann em Jerusalém", de Hannah Arendt. Sua agudeza jornalística é admirável. Deveria ser leitura obrigatória para qualquer profissional da área.
Discordo de Calligaris em dois pontos: Eichmann não foi o responsável pela logística do genocídio, foi dele uma peça menor. Os responsáveis nazistas por aquela logística foram geniais. Subdividiram as tarefas como numa linha de montagem, cooptaram líderes da comunidade judaica sem os quais o tamanho e a eficiência do genocídio não teriam sido possíveis.
Produziram um escalonamento de etapas, até a câmara de gás, que sempre dava a ilusão de esperança, tanta era a burocracia envolvida.
Eichmann não poderia ter feito isso porque --aí concordo com Calligaris-- era um pateta. Mas aí vai a outra discordância: um pateta que nunca decidiu por não pensar. Por ser pateta, já não pensava por si mesmo nem antes nem depois, mesmo dentro do tribunal.
O partido apenas lhe forneceu os meios e as oportunidades de exercer a patetice. Como no Brasil um "partido-mãe" tentava, até que a soberba de pensar que tinha o povo e os políticos no bolso fez com que extrapolassem os abusos. Aí a turma foi para as ruas.
O que escapa (ou não) a Calligaris é o fato de que a imensa maioria da população mundial é composta de patetas como Eichmann. Diria que são 97% --um percentual "impressionista", não "cientificamente embasado".
São simplórios, pessoas reativas, sem capacidade de reflexão, imediatistas. Deixam que a vida (ou o pastor, o partido ou a opinião dos outros) as leve. Quem chegou até aqui na leitura não está com eles, e sim nos outros 3%.
Agarram-se de maneira inconsciente ao que "já está decidido, resolvido e pensado", por isso "não esquentam a cabeça". Mas qual a fonte dessas "sábias decisões inquestionáveis"? Com o nome de Transcendente Forte, uma força maior a que se submetem sem refletir --pode ser a religião, os livros sagrados, os líderes populistas e, principalmente, "aquilo que todo mundo sabe que é assim": o senso comum.
Às vezes, essas pessoas abandonam o Transcendente Forte, não para refletir, mas para encarná-lo, tornar-se seu próprio deus, como aconteceu com Lula.
O "politicamente correto" (o novo senso comum) impõe a ideia de que todos são iguais, mas a "égalité", o ideal da revolução francesa sempre foi o de que todos deveriam ser iguais perante a lei. A democracia busca igualdade de oportunidades. Jamais houve nem haverá igualdade entre os seres humanos, já que uns são mais, outros menos.
Essa é a realidade incômoda não mencionada: somos a minoria da minoria, a aberração, os esquisitos, os solitários (falar com quem?), os ETs que têm, como saída, aceitar-se como tal e viver da melhor maneira possível, fazendo bem aquilo que estiver ao nosso alcance".
Francisco Daudt 

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