maio 16, 2013

Tão arcaico quanto



"Já reparou que não se vê mais nas ruas gente de mãos nos bolsos? Que são raros os homens que ainda usam as calças acima do umbigo? Que quase ninguém mais usa gravata-borboleta? Que já não se vende paletó com duas calças? Que os colarinhos com barbatanas, assim como o lenço no bolso do paletó, se extinguiram? E que flor na lapela, hoje, é exclusividade da Velha Guarda das escolas de samba em dia de desfile?Ninguém mais carrega o pente no bolso da camisa --aliás, há quanto tempo não se vê um homem se penteando em público? Ninguém mais ouve radinho de pilha --os próprios porteiros o abandonaram. E lápis atrás da orelha também não se vê há muito, nem no caixa das melhores padarias.Por que ninguém mais dá bananas? Não devíamos ter abandonado esse gesto tão expressivo de indignação. Ao mesmo tempo, ninguém mais anda pelas ruas, distraído, chutando tampinhas. Ninguém mais sai do restaurante mascando palito. Ninguém mais usa palito de fósforo para cavoucar o ouvido. Ninguém mais bate carteiras. Ninguém mais bate palmas no portão. E ninguém mais fica encostado no poste, assobiando.Ninguém mais enfeita a geladeira com pinguins de louça. Ninguém mais decora o jardim com estátuas de anões. E ninguém mais usa CD-ROM --quanto a este, os menores de 30 anos não sabem o que é e talvez nunca tenham ouvido falar.Quem diria? Há apenas 15 anos, o CD-ROM (comicamente chamado no Brasil de "CD-rum") era a "ferramenta" que iria absorver, resumir e comportar todo o conhecimento do Universo. Iria substituir as bibliotecas, o livro, o cinema, os museus, a TV e, quem sabe, o cérebro. Quem poderia adivinhar que, em tão pouco tempo, sua glória se extinguiria e ele ficaria tão arcaico quanto os anões de jardim e os pinguins de geladeira".


RUY CASTRO

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