abril 16, 2013

A Europa germânica



Uma amiga alemã visitou a Grécia nesta Páscoa. Por pouco não foi linchada. Aconteceu em Atenas, no bairro turístico de Plaka: quando os nativos souberam que ela era de Munique, começaram as piadas de mau gosto sobre o "Terceiro Reich".Ela respondeu com humor. Os nativos não gostaram do humor e rapidamente passaram aos insultos. Pesados. Só não chegaram a vias de fato porque ela optou sensatamente por fugir dali.Ao telefone, quando me contou as suas aventuras helênicas, ainda perguntou, meio a sério, meio a brincar: "Você acha que é seguro viajar para Lisboa?".Entendo a pergunta. Os países do sul da Europa estão a comer o pão que o diabo amassou. E é fácil encontrar nos países do norte, sobretudo na Alemanha, os responsáveis supremos por esta crise recessiva sem fim.Injusto. Ou, pelo menos, parcialmente injusto.Primeiro fato: a crise do sul da Europa é a crise do endividamento irresponsável dos países do sul da Europa. Com o euro, e as taxas de juros ridiculamente baixas que só o euro poderia oferecer, governos, empresas e famílias passaram a gastar como se não houvesse amanhã.Mas o amanhã chegou com a crise financeira de 2008, o que agravou a conta. Foi o colapso das economias "periféricas". E, com o colapso, a pergunta de US$ 1 milhão: como corrigir as contas públicas quando esses países do euro não dispõem mais de soberania monetária ou política cambial?A resposta veio do norte, com "políticas de austeridade" assentes em brutais aumentos de impostos e corte abrupto de rendimento disponível. Uma combinação letal que produziu desemprego maciço, queda da procura, recessão econômica --e um agravamento dos exatos desequilíbrios orçamentais que se procuravam corrigir de início.A juntar a essa nefasta terapia, os países excedentários do norte têm aplicado em casa o mesmo tipo de ajustamento que recomendam aos outros. É a repetição dos velhos erros da década de 1930: quando todos apertam o garrote, todos morrem de asfixia.Eis o impasse. Porque a Europa vive hoje um grave impasse. E uma das melhores reflexões sobre essa agônica condição foi escrita pelo ilustre sociólogo Ulrich Beck, sintomaticamente um alemão.Intitula-se "German Europe" (Europa germânica, Polity, 98 págs.). Recomendo a qualquer interessado na matéria.Não, Ulrich Beck não alinha pela cartilha conspirativa de quem atribui à Alemanha o perverso plano de estabelecer um "Quarto Reich" na Europa. Beck é um pouco mais sofisticado do que os gregos que insultaram a minha amiga.Para começar, o autor relembra que a Alemanha aceitou com extrema relutância trocar o seu amado marco pelo novo euro.Foi François Mitterrand, com típica insensatez, quem obrigou Berlim a aceitar a troca: se a Alemanha aderisse ao euro, a França toleraria a reunificação do país depois da queda do Muro de Berlim. Mitterrand esperava que, amarrando a Alemanha ao euro, isso seria uma limitação do poder político e econômico germânico.Mitterrand enganou-se. Barbaramente. O euro não tornou a Alemanha mais "europeia". Apenas tornou a Europa mais "alemã". As "políticas de austeridade", defendidas hoje para o sul e igualmente praticadas pelo norte (uma espécie de "pacto suicidário" que desafia a racionalidade), são apenas a expressão mais tangível desse grotesco equívoco.Um equívoco que Angela Merkel continua a alimentar para ganhar eleições gerais em 2013, mesmo que o preço a pagar seja insuportavelmente alto. Que preço?Economicamente, estamos conversados: a Europa é hoje um charco estagnado. E, de Madri a Atenas, metade da população jovem não encontra trabalho. Uma "geração perdida", para usar o termo bélico clássico.Mas o preço será também político: cavar no continente os ódios e os ressentimentos do passado não pode dar bons resultados.Ao defender uma Europa "germânica", Angela Merkel não está apenas equivocada.Ela pode destruir o longo esforço de reconciliação com a Europa que a Alemanha demorou meio século a construir no pós-guerra.

JOÃO PEREIRA COUTINHO

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