março 31, 2013

A simbologia da Páscoa


"...O que existe de simbólico na Páscoa que, mesmo inconscientemente, tanto nos atrai?
A reposta é um misto de simbologias judaico-cristãs e pagãs que unem morte e renascimento, escravidão e libertação, primavera e outono, Europa e Américas, Oriente e Ocidente, e, sobretudo, paixão e celebração da vida.
“Páscoa” é uma palavra de origem hebraica que significa “passagem”. O Pessach, ou Páscoa Judaica, honra a memória da passagem do povo de Israel pelo mar Vermelho, liberto da escravidão no Egito que se deu de sete a 13 séculos antes do ano zero. O êxodo. Desde então, é marcada pela primeira Lua cheia da primavera do hemisfério Norte, ou primeira Lua cheia de outono, aqui no hemisfério Sul. Ao adotar oficialmente a Páscoa como uma de suas festas, no ano 325 de nossa era, a Igreja Católica inspirou-se primeiramente nos motivos judaicos – a passagem pelo mar Vermelho, a viagem pelo deserto rumo à terra prometida –, mas retirando dela muitos ritos, que aos poucos foram desaparecendo. 
Com o tempo, a Páscoa transformou-se na celebração da ressurreição de Jesus Cristo, comemorada no domingo. Vale ressaltar que Jesus Cristo, sabendo da própria morte, celebrou a Páscoa na ceia de quinta-feira, no dia anterior ao de sua crucificação – a chamada Paixão, que em latim significa sofrer ou suportar algo difícil. A Páscoa sempre representou a passagem de um tempo de treva e de sofrimento para outro de luz, mesmo antes de ser considerada uma das principais festas da cristandade. 
OSTERA, ESTHER, PÁSCOA, OSTERN...
Antes da Idade Média, e ainda durante ela, os povos pagãos europeus, nesta época do ano, homenageavam Ostera, ou Esther – em inglês, Easter quer dizer Páscoa, e em alemão Ostern. Ostera é a deusa nórdica da primavera, que segura um ovo e observa um coelho pulando ao redor de seus pés nus. Ostera equivale, na mitologia grega, a Perséfone, deusa que vive uma parte do ano no mundo dos mortos e outra no mundo dos vivos – período em que a Terra se enche de frutos e cereais para abastecer a humanidade. 
Não por acaso, o coelho é o símbolo da fertilidade, do renascimento da vida. Ele simboliza a capacidade de multiplicação da vida. Na Europa, o coelho representa o renascimento porque é a época do ano em que a neve derrete e a vida ressurge. Os coelhos são um dos primeiros animais a abandonarem suas tocas após a hibernação e a celebrarem a chegada da primavera – justamente o período da Páscoa.
E o ovo, outro símbolo da deusa pagã Ostera, ou Esther, embora aparente ser algo morto, contém em seu interior uma reserva de vida que surge repentinamente. E este é o sentido para a Páscoa: após a morte, vem a ressurreição e a vida. Para os povos antigos o ovo simbolizava o nascimento. Os persas, por exemplo, acreditavam que a Terra havia nascido de um ovo gigante. O costume de colorir ovos para presentear surgiu entre os antigos egípcios, persas, chineses e algumas tribos germânicas para celebrar o início da primavera. Ainda hoje as crianças alemãs e escandinavas cozinham ovos de galinha ou de pata e os decoram com tintas coloridas. A Páscoa cristã, ao adotar o ovo como um de seus símbolos, estabeleceu um sincretismo que acabou por enfraquecer os cultos pagãos no hemisfério norte. 
Outros símbolos, de origem pagã ou cristã ou judaica, da Páscoa são: o fogo, a água, os óleos santos, o cordeiro, o pão e o vinho.
E por que é de chocolate o ovo de Páscoa? O nome científico do cacau em grego, Theobroma, quer dizer “néctar dos deuses”. Ele foi descoberto nas Américas pelos Maias e Astecas. Seu sabor e sua força energética sempre foram reconhecidos. Ao tomar o formato de um ovo, representou mais intensamente a força rejuvenescedora da vida. O ovo de chocolate é, portanto, símbolo da vida.
Na Páscoa brasileira, o grande destaque fica para as cidades históricas de Minas Gerais. Nelas há rituais que só acontecem por lá hoje em dia, como o Ofício das Trevas durante a semana, a Procissão das Almas na madrugada de sexta para sábado, e missas em latim que chegam a duas horas de duração, com sofisticação de ritos. E tudo esteticamente muito bem trabalhado: flores, música, velas, véus, cortinas, tapetes de serragem, procissões e encenações, com destaque para a cidade histórica de São João Del Rey.
Quem não tem chance de viver a rica experiência da Páscoa mineira, mas quer ir além do consumo de ovos de chocolate industrializados e entrar no clima da simbologia da comemoração, pode ouvir músicas disponíveis em serviços gratuitos online, como o Youtube. Algumas sugestões: a trilha sonora que o inglês Peter Gabriel fez para o filme de Martin Scorcese, A última tentação de Cristo, sobretudo “Passion”, e também “Black Paintings” do mesmo compositor, “Hovern Engan” do armênio Levón Minassian e “Open Ensemble” do italiano Francesco Albano, com performance, novamente, de Peter Gabriel".
Ana S. Fonseca 

Nota: Ana S. Fonseca é  linguista e jornalista, atualmente na Universidade Federal da Integração Latino-Americana, onde é professora e coordenadora do projeto Webrádio Unila: Integração Via Ondas Sonoras).

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