fevereiro 25, 2013

Mais Oscar (alternativo)



Ah, o Oscar: todos os anos a festa é montada em Hollywood. E cinéfilos de competências diversas desatam a dar palpites e sugestões. Exercício infantil, claro. E, como todos os exercícios infantis, um desporto que pratico de cabeça limpa.

Anos atrás, escrevi nesta Folha uma coluna sobre os vencedores alternativos ("E o Oscar (alternativo) vai para", 18/2/2008). Era uma homenagem a um livro divino de Danny Peary ("Alternate Oscars") e onde o crítico revisitava as premiações desde a origem até 1991. Como?
Mostrando os vencedores nas categorias principais (filme, actor, actriz) e depois concordando (ou, na esmagadora maioria dos casos, discordando) das escolhas da Academia. Por que parar em 1991, perguntava eu em 2008?
Com a devida vénia ao mestre, completei esses 15 anos em falta. Só que passaram mais 5 e Danny Peary não deu sinais de vida.
Com nova vénia, e cometendo novo abuso, aqui ficam os últimos cinco anos de escolhas furadas - e alguma justiça para esse ano. Confira, leitor cinéfilo:
2007 - FILME - A minha relação com os irmãos Coen tem dias. Existem filmes de génio, como "The Big Lebowski/O Grande Lebowski", que merecia o Oscar em 1998. E depois existem filmes de uma mediocridade absoluta, como "The Ladykillers/Matadores de Velhinha", com o insuportável Tom Hanks.
"No Country For Old Man/Onde os Fracos Não Têm Vez", o vencedor do ano, está a meio da escala, sem nunca tocar na profundidade metafísica do romance de Cormac McCarthy sobre os insondáveis caminhos do Mal. Apesar de um Tommy Lee Jones que salva sempre a honra do convento.
Em 2007, o Oscar de melhor filme deveria ter ido para "Into the Wild /Na Natureza Selvagem". Sou insuspeito de simpatias por Sean Penn, que dirigiu o filme.
Mas, talvez sem o saber, Penn montou uma odisseia anti-utópica sobre um jovem de família "burguesa" que, alimentando o nojo-de-si-próprio de que falava o filósofo, resolve abandonar a "civilização" em busca de uma existência incorrompida por ela - um caminho de fanatismo e autodestruição filmado com poética graciosidade. Nem Rousseau chegou a tanto.
ACTOR - Daniel Day-Lewis, vencedor com "There Will Be Blood/Sangue Negro", é considerado o maior actor vivo. Será, para quem gosta do género.
Mas 2007 teve um Emile Hirsch em "Na Natureza Selvagem" que transporta o filme às costas e oferece a interpretação do ano. Quando, na sequência final, o personagem encontra a frase de Tolstoi ("A felicidade só é real quando partilhada"), o rosto de Hirsch é uma mistura de desencanto e arrependimento como o cinema não voltou a filmar desde então.
ACTRIZ - A Academia por vezes confunde maquiagem com representação. Aconteceu em 2007: um papel caricatural de Marion Cotillard, como Edith Piaf, e a estatueta dourada voou para Paris. Não que Cotillard não mereça um Oscar (ler mais em baixo), mas o ano seria de Helena Bonham Carter em "Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet".
Só uma grande actriz (e uma cantora apurada) seria capaz de revisitar um dos papéis mais lendários da Broadway (e de Stephen Sondheim, o último génio vivo do musical americano), conferindo-lhe uma doçura "kinky" inigualável.
2008 - FILME - Na história do Oscar já houve de tudo. Mas nunca se desceu tão baixo como em 2008, quando Hollywood se rendeu a Bollywood. "Slumdog Millionaire/Quem Quer Ser Milionário", na sua histeria visual, é uma ofensa para qualquer intelecto civilizado. Puro Danny Boyle.
A coisa piora quando sabemos que, em 2008, James Gray, o mais "clássico" dos novos directores americanos, filmou "Two Lovers/Amantes", uma lição sobre o desencanto como condição primeira para a possibilidade do amor real.
ACTOR - Eu não disse que era insuspeito de simpatias por Sean Penn? Dispenso o tom panfletário de "Milk - A Voz da Igualdade" e o papel de Sean Penn ao mesmo nível. Esse era o no de Joaquin Phoenix em "Amantes", o rapaz suicidário que é salvo pelo reconhecimento humilde do mais humilde dos afectos humanos.

ACTRIZ- O ano pertenceu a Kate Winslet. Nada a contestar. Só que Winslet recebeu o Oscar pelo papel errado. "The Reader/O Leitor", história de uma colaboradora nazista e da sua relação com um jovem estudante na Alemanha do pós-guerra, é um telefilme respeitável.

Mas Winslet é também a dona de casa desesperada em "Revolutionary Road/Foi Apenas um Sonho", o melhor filme de Sam Mendes, baseado em texto sublime de Richard Yates.
O lento naufrágio de Winslet, que assiste à destruição silenciosa de cada um dos seus sonhos juvenis, só tem paralelo recente com o sacrifício de Meryl Streep em "The Bridges of Madison County/As Pontes de Madison".
2009 - FILME - Sabemos que existe nos seres humanos uma propensão para a violência que não se cura com doses maciças de "civilização". Obrigado, dr. Sigmund Freud.
Kathryn Bigelow, com a dureza conhecida, mostra-nos isso em "The Hurt Locker/Guerra ao Terror", ao filmar a odisseia de William James (notável Jeremy Renner), um soldado americano viciado na adrenalina do desarmamento de bombas no Iraque.
Só que em 2009 os irmãos Coen voltaram a subir ao cume com "A Serious Man/Um Homem Sério", talvez o mais sério (e divertido) filme sobre a essência do Judaísmo. Uma brilhante reactualização das provações de Jó em que um Jó moderno, para sua imensa perdição, não tem a resignada paciência do antigo.
ACTOR - Hollywood precisava de acertar contas com Jeff Bridges e fê-lo em "Crazy Heart/Coração Louco". Nada contra. Mas George Clooney, em "Up in the Air/Amor Sem Escalas", seria a escolha mais justa em 2009. Ele é o perfeito "homem sem qualidades" de que falava Musil: alguém incapaz de estabelecer laços significativos com a humanidade circundante. Até ao dia em que, literal e metaforicamente, a humanidade o obriga a cair das nuvens.
ACTRIZ - Sandra Bullock levou o Oscar por "The Blind Side/Um Sonho Possível". Basta escrever essa frase e está tudo dito.
Em 2009, Carey Mulligan, em "An Education/Educação", é imbatível como Jenny, a mocinha suburbana que sonha com uma educação de elite em Oxford - mas que recebe, informalmente, a única educação que fica, feita de experiência e desencanto ao conhecer David (um igualmente soberbo Peter Sarsgaard).
2010 - FILME - "The King's Speech/O Discurso do Rei" é, no conteúdo e na forma, o típico "filme de época" que os ingleses fazem como ninguém. Não atiro nenhuma pedra: do velhinho "Brideshead Revisited" ao recente "Parade's End", sou consumidor regular do produto, sobretudo em formato televisivo. Mas melhor filme do ano?
Pasmo. Sobretudo quando Noah Baumbach dirigiu "Greenberg", uma obra-prima absoluta da misantropia desesperada.
ACTOR - O que é válido para o filme, é válido para o actor: não se entende que, em 2012, Hollywood tenha indicado Bradley Cooper para o Oscar (pelo simpático "Silver Linings Playbook/O Lado Bom da Vida") e esquecido Ben Stiller em 2010 no papel (perturbado e perturbante) de Roger Greenberg.
Natalie Portman, que ganhou o Oscar de melhor atriz pelo longa "Cisne Negro"
ACTRIZ - Natalie Portman em "Black Swan/Cisne Negro" levou o Oscar. Filme pavoroso, Portman primorosa. "Comme d'habitude". Nada a dizer.
2011 - FILME - O Oscar, mais uma vez, voou para Paris (por "The Artist/O Artista"). Entendo a nostalgia de Hollywood com esta homenagem aos fantasmas do cinema mudo.
Mas se o ano era de nostalgias (e de Paris), elas pertenceriam por inteiro a Woody Allen e a "Midnight in Paris/Meia Noite em Paris", o seu melhor filme desde "Crimes and Misdemeanors/Crimes e Pecados" (1989). Quem nunca suspirou por eras remotas ao confrontar-se com os descontentamentos do presente?
ACTOR - Jean Dujardin, em "O Artista", levou o Oscar sem abrir a boca. Mas em termos de expressividade impassível, Gary Oldman foi melhor em "Tinker, Taylor, Soldier, Spy/O Espião que Sabia Demais".
Sem a ferocidade de Alec Guinness, que praticamente estabeleceu o cânone no papel de George Smiley, Gary Oldman transforma o seu agente secreto numa máscara de repressão e inteligência que a Academia não teve a inteligência de premiar.
ACTRIZ - Tecnicamente falando, talvez Meryl Streep em "The Iron Lady/A Dama de Ferro" não tenha rivais à altura. Mas o meu coração balança entre Streep e Tilda Swinton em "We Need to Talk About Kevin/Precisamos Falar Sobre o Kevin".
Swinton é a perfeita "mãe-geladeira", incapaz de estabelecer qualquer vínculo emocional com o filho - e condenada a enfrentar os inomináveis actos dele.
2012 - Emmanuelle Riva em "Amour", de Michael Haneke
E esse ano?
Três palavras: França, França e França. Como dizia um conhecido político israelense, Hollywood nunca perde uma oportunidade para perder uma oportunidade.
Em 2010, atribuiu o Oscar de melhor filme ao francês "O Artista". Erro. Esse Oscar pertenceria agora a Michael Haneke por"Amour/Amor". No mesmo ano, o melhor actor foi Jean Dujardin. Novo erro. Esse Oscar pertenceria hoje ao gigante Jean-Louis Trintignant. E a actriz?
Recuemos a 2007: confundindo maquiagem com representação, como disse, Marion Cotillard recebeu o Oscar com cinco anos de antecedência pela sua caricatural Piaf. Monumental erro.
Porque o momento certo também seria em 2012, por "De rouille et d'os/Ferrugem e Osso" de Jacques Audiard. Não revelo a história. Limito-me à sentença final: Cotillard dá rosto e, sobretudo, corpo a um dos mais devastadores papéis femininos que me lembro de assistir em cinema".








João Pereira Coutinho




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