janeiro 31, 2013

Jogue a mamãe do trem



"Ai! Ui! Ói! A autoridade japo­nesa vai lá e dá uma declara­ção enxuta, navalha na carne de tão realista, e o mundo inteiro reage fazendo biquinho, levantan­do a sobrancelha e colocando a mãozinha na frente da boca. Oh, que infâmia!
Ministro das Finanças de gabine­te recém-empossado do Japão, Ta­ro Aso, 72, afirmou sem reticências que idosos em estado terminal de­viam "se apressar e morrer" para poupar gastos do governo com a saúde pública. Depois ainda arre­matou dizendo que recusaria qual­quer tipo de tratamento médico para prolongar sua vida.
A reação foi instantânea. Agências de notícia, twiteiros cinco estrelas e donas de casa de bobeira na frente da página do Facebook se apressaram em classificar os comentários numa escala que variava entre "imprópria" e "infame".
Estou confusa com a reação. Depois de ver a minha família passar justamente pelo calvário que o ministro recomendou fosse evitado, eu não só lhe dou razão como aplaudo.
Veja: nenhum de nós, Gancias, é médico. A única decisão que nos coube, naquele período crítico, foi confiar ou não nos profissionais. Optamos por entrega a ela a nos­sa sorte.
Certo, errado, nunca saberemos o que pensar. Só posso dizer que a morte veio coincidentemente quando o limite de grana estipulado para o tratamento pelo seguro saúde estava vencendo.
Fomos colhidos por um redemoinho de incertezas naqueles anos intermináveis e, por mais que eu buscasse aconselhamento profis­sional e espiritual cá e lá, para onde quer que eu me voltasse acabava sempre topando numa muralha de silêncio e corporativismo.
Só muito depois da perda alguns médicos amigos do peito começa­ram, aos poucos, a apontar como as coisas poderiam ter sido conduzi­das, sem tamanho sofrimento e hu­milhação, e não desconsiderando ética e a plena legalidade.
Não somos uma gente desprevenida, desorganizada ou que despreza o diálogo. Ao contrário, resolvemos encarar o problema unidos e de forma racional. Antes da doença, quantas vezes não tínhamos o pior? Aliás, que pai ou mãe já não manifestou seu desejo de forma explícita: "Pelo amor de Deus, nunca me deixe vegetando em uma cama de hospital!"? Conosco não foi diferente, mas, na prática, você se dá conta de que não decide nadinha.
Quando soube que Walmor Chagas havia nos deixado, na possibilidade de tê-lo feito de sua pró­pria lavra, pensei na dignidade do gesto, na coragem e elegância de uma decisão como essa, tomada sem consultas; na dramaticidade de um ato que remete aos personagens vividos por Paulo Autran, Paulo José, Anselmo Duarte, Tarcísio, Leonardo Villar...
Walmor, que nós situávamos em outra década, parece ter seguido à risca as reco­mendações do ministro japonês antes mesmo que ele as externasse. Considerando que o débito da previdência é um tsunami que está a poucos quilômetros não só de países prósperos com populações ido­sas, como da Guaratinguetá (SP) em que o ator vivia.
Especialmente nos dias de hoje, é muito cinismo fingir que só Dino da Silva Sauro pensa em jogar a avó do penhasco. Aumento da expectativa de vida, dramas previdenciários e gastos e impostos ganhando os píncaros do Himalaia significam que um dia fatalmente todos terão seu momento nutrindo a fantasia de que o idoso dependente se vá sem traumas, no sono.
Ou será que só o mi­nistro percebeu que o fardo de cui­dar dos idosos tornou-se um dos maiores dramas da atualidade?
Barbara Gancia

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