"Sou informado de que os passarinhos de São Paulo, entre uma e outra crise de tosse, já não têm hora para cantar. Uma amiga minha, que funciona melhor à noite e gosta de dormir tarde, contou-me que os sabiás de seu bairro estão começando a cantar às duas da manhã. E, quando ela tenta dormir, não consegue, porque eles estão à toda. Não que os sabiás estejam trocando a noite pelo dia -cantam durante o dia também, num esforço desesperado para se fazer ouvir.
Minha amiga observou que, idem, os galos da sua vizinhança (sim, ainda existem em certas zonas) já não esperam pelo nascer do sol -passaram a cantar a qualquer hora da noite, sem a menor cerimônia. Com isso, despertam pessoas que, ao consultar o relógio e constatar que ainda são três horas, perdem de vez o sono. O que estará provocando esse furor nos galos, sabiás e talvez outras aves locais, bem nas horas em que seus parentes mais conservadores usavam para dormir? Para minha amiga, a explicação só pode estar nessa agitação infernal da cidade -que faz com que, hoje, muitos serviços funcionem dia e noite, o nível de barulho e luminosidade nas ruas seja constante e os congestionamentos e retenções não tenham mais hora para acontecer.
Nos anos 50, dizia-se com orgulho que São Paulo "não podia parar". Isso foi na época do desenvolvimento a todo custo, em que havia séculos de atraso a tirar. Um arranha-céu subia a cada dez minutos e a natureza que saísse da frente, para o progresso passar. Custou-se a descobrir que a cidade e os cidadãos iriam pagar caro, na forma de destruição do ambiente, poluição, estresse, pigarro e bagunça no relógio biológico.
Percebe-se agora que esses "desprodutos do progresso" ("copyright" Decio Pignatari) estão chegando inclusive àqueles paulistaninhos que, até há pouco, pairavam sobre a insensatez humana".
RUY CASTRO
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