"Hoje é dia de eleição. Para muitos, no instante em que o cidadão se aproxima da urna eletrônica se materializa o civismo absoluto. Apertar o botão "confirma" traz o clímax democrático. Para outros, porém, que não veem tanta mágica no processo eleitoral, votar é só uma chateação a que nos submetemos para escapar a aborrecimentos burocráticos ainda piores.
Embora eu não abrace integralmente nenhuma dessas posições caricaturais, admito que estou mais próximo da segunda e não hesitaria nem por um segundo em acabar com a obrigatoriedade do voto.
Alguns cientistas políticos, cujas preocupações incluem coisas como garantir a maior participação possível de todos os estratos sociais e alavancar a legitimidade dos eleitos, trazem bons argumentos em favor da manutenção da regra. O melhor deles é que, sem a obrigatoriedade, seriam os mais pobres que mais deixariam de comparecer às urnas.
Não discordo, mas, diferentemente dos sociólogos, tendo a dar mais ênfase a questões filosóficas e lógicas. E, sob esses critérios, a necessidade de depositar o sufrágio é uma aberração. É absurda a ideia de que o eleitor está apto a escolher o dirigente máximo da nação e as pessoas que irão escrever as leis do país, mas não a definir sozinho se deve comparecer em sua seção eleitoral. A liberdade de decidir em quem votar tem como pré-requisito a liberdade para decidir se vai ou não votar.
E, já que falamos de liberdade, vale mais uma vez recorrer à distinção kantiana entre "de acordo com o dever" e "pelo sentido do dever". Para Kant, um homem pode acabar fazendo a coisa certa ou por temer as sanções previstas na lei ("de acordo com o dever") ou por reconhecer a racionalidade por trás da norma e acatá-la ("pelo sentido do dever"). Apenas na segunda hipótese ele age de forma livre e, portanto, moral. Por pudicícia, paro um pouco antes de concluir que o voto obrigatório é imoral".
HÉLIO SCHWARTSMAN
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