setembro 25, 2012

A maçã mordida


"Uma das marcas mais conhecidas do mundo é uma maçã mordida. Colada em automóveis ou até tatuada na pele de fãs mais ardentes, o símbolo da Apple é visível nos produtos espalhados pelos colos, mesas e bolsos de usuários de todos os tipos. Onipresente, a frutinha seduz com o design de suas formas, desafiando quem a vê a mordê-la.
Maçãs têm uma tradição mítica no Ocidente. Desde muito antes de a Bíblia retratar a tentação do pobre casal no Paraíso, Hércules já enfrentava problemas para colher os pomos dourados da árvore da vida. Guilherme Tell precisou de sua flecha para tirar uma delas da cabeça do próprio filho. Branca de Neve mordeu uma enfeitiçada e só foi acordar com o beijo do príncipe.
Do ponto de vista tropical, o culto a uma fruta tão sem graça não faz o menor sentido. Mas na Europa medieval eram raras as plantas que sobreviviam aos rigores do inverno. Por causa disso, até o século 17 "maçã" era um termo genérico para definir qualquer fruta estrangeira. Em francês, até hoje chamam batatas de "maçãs da terra". Em defesa das macieiras, acredita-se que o grande Isaac Newton tenha imaginado sua teoria de gravitação sentado sob uma delas.
Símbolos de conhecimento, pecado, tentação e poder, não demoraria para que maçãs fossem transformadas em marca. Uma das mais conhecidas foi a gravadora dos Beatles, Apple Records. Mas, enquanto a maçã dos rapazes de Liverpool era cortada ao meio, a de Steve Jobs era mordida. Seria uma referência nerd ao termo "byte", conjunto de oito bits, cuja pronúncia ("baite") é a mesma de "bite" ("mordida")?
Há quem defenda que a mordida foi referência a Alan Turing, matemático e criptógrafo inglês, considerado o pai da ciência da computação. Turing era um gênio. Decifrou códigos alemães na Segunda Guerra, desenvolveu o modelo teórico de um dos primeiros computadores, fez pesquisas importantes com matemática e biologia e criou o teste que leva seu nome, até hoje indicativo de inteligência artificial.
Turing era gay, o que, acredite, era ilegal na Inglaterra há 60 anos. Deu o azar de levar um desconhecido para casa e acabou sendo roubado por um cúmplice. Ao denunciar o crime para a polícia, declarou seu relacionamento com o ladrão e acabou acusado de indecência. Foi submetido a injeções de hormônios para "corrigir seu desvio". Em 1954 foi encontrado morto em seu quarto, envenenado por cianeto. Ao seu lado, uma maçã mordida. Não se sabe se a morte foi acidental. Sua estátua em Manchester tem uma maçã em uma das mãos.
O símbolo da Apple seria perfeito para qualquer teoria de conspiração, ainda mais se considerado que na versão original a maçã tinha faixas coloridas, possível referência ao movimento gay. A explicação, infelizmente, é mais prosaica. Rob Janoff, seu designer, colocou a mordida na maçã para que, quando diminuída, a marca não parecesse uma cereja. As cores representavam as faixas coloridas da TV.
Misto de desejo, conhecimento, esperança, mito, anarquia e poder, a tentação fatal dos produtos de consumo eletrônico tem, ironicamente, vários pontos em comum com a mitologia da maçã. Irresistivelmente tentadores, se é impossível evitá-los, recomenda-se consumi-los com moderação".

LULI RADFAHRER

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