O melhor da obra de Mario Quintana no livro de bolso “Para Viver com Poesia” da Editora Globo. O responsável pela organização e seleção dos poemas é Marcio Vassallo, que escreveu no prefácio:
“Pra viver com poesia, como nos propõe Quintana, precisamos reaprender a olhar para tudo com o coração cheio de assombro e despedida, com os olhos de um menino e de um condenado, puxando perplexidade, beleza e ineditismo das cenas, dos sentimentos, das emoções, dos silêncios, das palavras, dos paradoxos, do cotidiano e das pessoas mais comuns.”
Alguns dos poemas :
VERDADES
A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.
A verdadeira coragem consiste, apenas, em não nos importarmos com a opinião dos outros...
Mas como custa!
Esse estranho que mora no espelho (e é tão mais velho do que eu) olha-me de um jeito de
quem procura adivinhar quem sou.
A saudade que dói mais fundo – e irremediavelmente – é a saudade que temos de nós.
Sonhar é acordar-se para dentro.
INCOMPREENSÕES
Naquele dia fazia um azul tão límpido, meu Deus, que eu me sentia perdoado para sempre não
sei de quê.
No dia em que estiveres muito cheio de incomodações, imagina que morreste anteontem... Confessa: tudo aquilo teria mesmo tanta importância?
REMORSOS
Há noites em que não posso dormir de remorsos por tudo o que deixei de cometer.
ESPANTOS
O luar é a luz do sol que está dormindo...
Mas que haverá com a Lua, que, sempre que a
gente olha, é com um novo espanto?
Cada gota contém a luz do mundo.
A poesia é uma loucura lúcida.
Quando abro cada manhã a janela do meu quarto.É
como se abrisse o mesmo livro.Numa página nova...
AMOR
As pessoas que eu amava/ Amaram-se entre si.
Amar é mudar a alma de casa.
Os que fazem amor não estão fazendo apenas amor: estão dando corda no relógio do mundo.
AMIZADE
Amigo é a criatura que escuta todas as nossas coisas sem aquela cara que parece estar dizendo: - E eu com isso?
A amizade é quando o silêncio a dois não se torna incômodo.
SIMPLICIDADE
Haverá ainda, no mundo, coisas tão simples e tão puras como a água bebida na concha das mãos?
Dizer bobagens areja a alma.
Não importa o enredo das histórias: o que vale é o êxtase de quem as escuta. Por isso é que as
crianças gostam de ouvir sempre as mesmas histórias, como se fosse da primeira vez.
O mal dos aviões é que não se pode descer a toda hora para comprar laranjas.
BELEZA
O mistério faz parte da beleza.
O sentimento de beleza tem que de ser compartilhado.
ANIMAIS
Um cachorro serve para a gente falar sozinho.
Pior, mas muito pior mesmo do que as lágrimas
de crocodilo, são os sorrisos de crocodilo.
O mais feroz dos animais domésticos é o relógio
de parede: conheço um que já devorou três
gerações da minha família.
LIBERDADE
A morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos.
ESTAÇÕES
O verão é um senhor gordo sentado na varanda e reclamando cerveja. O inverno é
um vovozinho tiritante. O outono, um tio solteirão. A primavera, em compensação, é uma
menina pulando na corda.
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