agosto 21, 2012

O buraco negro


"Vou confessar uma coisa: tenho um pouquinho de vontade de chorar quando aperto o controle remoto e nada acontece. Digo que é uma confissão porque não se trata de um desconforto casual, como uma gaveta que não se consegue fechar. É vontade de chorar mesmo. Pouquinha. Controlo.
Que espécie de mãe eu seria se meus filhos me vissem chorando a toda hora por não conseguir ligar a TV? Mas é curioso. É um sentimento especial, uma mistura de impotência com algum quarto escuro de minha infância. O que existe entre o controle remoto e a TV, o ar-condicionado ou qualquer outra coisa que dependa desse mistério indecifrável me deixa inquieta.
Antes, eu simplesmente ia até o próprio aparelho, apertava o "power" e pronto. Mas, agora, nem mais botão de "power" eu acho na TV! Na gaveta, eu dou um pontapé. Em último caso, chamo um marceneiro. Mas, com o controle impotente nas mãos, simplesmente tenho vontade de chorar. Caio no buraco, o limbo virtual, o invisível, o desconhecido que jamais vou conseguir compreender.
Na verdade, não preciso compreender. Depois de passar tantos faxes sem ter nem sequer um milímetro de compreensão de como aquele papel saía na Dinamarca, eu já me sinto bastante adaptada aos poderes mágicos que me foram concedidos nestes últimos 15 anos.
Mas, quando não consigo fazer surgir imagens na TV com meu controle de condão, entro em contato com este tenebroso terreno entre as antenas, os controles, os bluetooth, esse nada que não se vê e não se explica. A espiritualidade eletrônica. Aquele lugar para onde devem ir as fotos deletadas.
Onde será que foi parar minha avó sorrindo, meu Deus, depois que escorreguei o dedo para o "delete"? Onde poderia eu tentar resgatá-la?
Certa vez, num sábado de arrumação, minha mãe jogou fora uma caixa de recordações. Até hoje penso onde pode estar apodrecendo minha caderneta escolar. Será que minhas notas de menina esforçada já viraram minhoca num lixão? Meu incrível 10 em matemática talvez voe hoje por aí na mesma partícula de cinza que meu 2 em química. Tanto esforço, meu Deus!
Entretanto, por mais que eu tente, não consigo imaginar onde poderia estar o raro sorriso de minha avó que desastradamente deletei. E esse vazio virtual me arrepia. Num dia de TPM, minhas lágrimas estavam prestes a cair com o controle na mão, quando ouvi: "Tá sem pilha, mamãe!". Meu pequeno super-herói me resgatou do buraco negro".
DENISE FRAGA

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