julho 04, 2012

Era uma vez no sertão...



Em seu livro  Gastronomia Sertaneja Ana Rita Suassuna descreve sobre a comida("o cuscuz é o pão na mesa do sertanejo") e sua experiência no sertão. No livro ela reune parte das receitas que não tinham registros formais e eram transmitidas pela oralidade.
Com prefácio do escritor Ariano Suassuna, de quem é prima, Ana Rita que é irmã de seis, mãe de três, avó de sete, é mais estudiosa do que cozinheira, embora vá à cozinha, vez ou outra, para fazer os pratos do sertão. 
Nascida na Paraíba, cresceu numa fazenda na região do Vale do Pajeú, no sertão de Pernambuco. A distância para a Recife tinha como medida "um dia de trem, depois pegava ônibus e ainda andava duas horas a cavalo".Foi ali, onde se plantava algodão e culturas de subsistência, que ela cresceu embrenhada na vida dos sertanejos, no colher, no fazer, no poupar. "A preocupação com a seca era uma coisa tão inerente ao dia a dia que ninguém desperdiçava nada." Lembra o lema do seu pai: "Quem não guarda quando tem não tem quando precisa". 
Naquelas terras, em que viveu até os dez anos, quando foi estudar em Recife, plantava-se milho e feijão. O milho era armazenado na espiga, num cantinho da casa, enquanto os grãos das melhores espigas eram guardados debulhados em potes de barro ou em latas bem tampadas, lacradas com cera de abelha, resina de planta ou sebo de carneiro, para usar na plantação do inverno seguinte. 
Tinha ainda: o feijão-de-corda e o feijão de arrancar ("um pezinho pequeno, um arbustinho que fica cheio de vagem") e tinha o que se plantava nas vazantes,( "a parte úmida junto de qualquer reservatório de água"), batata, jerimum, melancia, melão... 
Ana Rita que não mexe em fogão moderno, ensina que no sertão quase tudo era feito no fogo baixo ("apura o sabor"). "Como fazia fogo baixo no fogão a lenha? A gente afastava as brasas com um ciscador." 
Como toda menina sertaneja, ela brincava de cozinhar : "Era dentro da minha casa, num terraço grande. Meu pai fez uma casinha de vara, coberta de palha, onde tinha as trempes" (aro de ferro com três pés, no qual se apoia panela sobre o fogo)*.O 'cozinhado' só podia ocorrer na fartura*. "A gente ia pro roçado ou para a despensa da casa para tirar as coisas, arroz, feijão, o que fosse, e levava tudo para a casinha. Todo mundo fazia o que sabia. Saía comida de todo jeito, mas o que saísse todos eram obrigados a comer." 
E o café no sertão nordestino? “Conhece café com rapadura? Já ouviu falar de café cabeludo?” "E café de pedra? Você aquecia pedras lisas e redondas, as deixava em brasa, aí botava o pó e despejava a água fria em cima. Era para quem tava no mato" 


Nota: * as 'trempes'onde se brincava de cozinhado, às vezes, eram feitas simplesmente com tres pedras. A expressão 'na fartura' se refere aos períodos em que não havia seca. 

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