julho 02, 2012

Arthur & George

Da geração atual de escritores ingleses Julian Barnes é o mais sofisticado, afeito a sutilezas de composição e pensamento.Uma tradição assumidamente francófila que é considerada um pecado quase imperdoável em sua ilha.
Os temas de seus livros são muito variados. Este Arthur & George é uma reconstituição ficcional minuciosa e envolvente de uma história verídica. Conan Doyle(1859-1930), criador do popularíssimo Sherlock Holmes, teve a oportunidade de bancar o detetive na vida real em sua campanha para inocentar o advogado George Edalji, inglês de origem indiana injustamente condenado pelo crime de mutilar um cavalo na aldeia de Great Wyrley, no início do século XX.

Barnes faz um retrato lisonjeiro de Conan Doyle e seus ecléticos interesses – que iam do críquete à mediunidade. George é o mais fascinante dos personagens anunciados. Filho de uma escocesa e de um parse, convertido em pastor anglicano, desejava ser visto como o cidadão inglês que era por nascimento. Míope, tímido, o jovem advogado mantinha uma fé inabalável na infalibilidade da lei até que, em 1903, o preconceito da polícia e a obtusidade do tribunal o jogaram na cadeia por um crime que não cometeu. 

O "caso Edalji" foi de grande importância na história jurídica da Inglaterra, que se viu obrigada a instituir tribunais de apelação para prevenir a repetição de escândalos daquele gênero.
Contra todas as evidências, Edalji recusava-se a acreditar que a perseguição policial de que foi vítima tinha motivação nas questões raciais. 
A narrativa é recheiada de referências a acontecimentos e personagens da época, recriando o espírito do final do reinado da rainha Vitória e o início do breve reinado de Edward VII. 
A atualidade desta dramática história é indiscutível: "como acolher o "outro" sem comprometer a identidade nacional"? 

"Ele tinha modernizado a investigação criminal. Ele a havia livrado dos representantes da velha escola de detetives de raciocínio lerdo, aqueles simples mortais que recebiam aplausos por decifrar pistas palpáveis deixadas no seu caminho. Em seu lugar, ele havia colocado uma figura fria e calculista que podia enxergar a pista de um assassinato num novelo de lã e condenação garantida num pires de leite.
Holmes trouxe fama instantânea a Arthur e – algo que o comando da equipe inglesa jamais teria trazido – dinheiro. Comprou uma casa de tamanho decente em South Norwood, cujo jardim de muros altos tinha espaço para uma quadra de tênis. Pôs o busto do avô no hall de entrada e alojou seus troféus árticos no alto de uma estante. Conseguiu um escritório para Wood, que parecia ter se estabelecido como auxiliar permanente. Lottie tinha voltado de Portugal, onde havia trabalhado como governanta, e Connie, apesar de ser a mais decorativa, estava se mostrando uma ótima datilógrafa. Ele tinha comprado uma máquina de escrever em Southsea, mas nunca conseguia manipulá-la com sucesso. Era mais habilidoso com a bicicleta de dois assentos que pedalava com Touie. Quando ela engravidou de novo, ele trocou a bicicleta por um triciclo, impulsionado unicamente por força masculina. Sempre que a tarde estava bonita, ele a levava em percursos de quase cinqüenta quilômetros pelas colinas de Surrey.
Ele se acostumou ao sucesso, a ser reconhecido e investigado, bem como aos diversos prazeres e embaraços das entrevistas de jornal.
– Aqui diz que você é um homem alegre, cordial e caseiro. – Touie estava sorrindo enquanto lia a revista. – Alto, de ombros largos e com um aperto de mão firme que, na sinceridade das boas-vindas, chega a machucar.
– Que revista é essa?
– The Strand Magazine.
– Ah. Sr. How, se me lembro bem. Não exatamente um esportista, conforme desconfiei na ocasião. A pata de um poodle. O que ele diz de você, meu bem?
– Ele diz… Ah, não posso ler isto.
– Eu insisto. Você sabe como gosto de vê-la ruborizada.
– Ele diz… que sou “uma mulher muito charmosa”. – E, ao dizer isto, ela ficou vermelha e mudou logo de assunto: – O sr. How diz que “o dr. Doyle sempre cria primeiro o final da sua história e escreve o resto de acordo com ele”. Você nunca me contou isto, Arthur.
– Não contei? Talvez porque seja o óbvio ululante. Como você pode escrever um início plausível se não souber o fim? Pensando bem, é inteiramente lógico. O que mais diz o nosso amigo?
– Que as idéias lhe chegam a qualquer hora… quando está caminhando, jogando críquete, pedalando ou jogando tênis. É verdade, Arthur? É por isso que você às vezes é tão distraído na quadra?
– Posso ter exagerado um pouco.
– Veja, aqui está a pequena Mary em pé sobre esta cadeira.
Arthur inclinou-se para olhar.
– Impressa a partir de uma de minhas fotos… está vendo? Eu fiz questão de que eles pusessem o meu nome embaixo.
Arthur tornara-se um nome nos círculos literários. Era amigo de Jerome e Barrie, conhecera Meredith e Wells. Jantara com Oscar Wilde e o havia achado muito cortês e agradável, ainda mais porque o sujeito tinha lido e admirado o seu Micah Clarke. Arthur tinha a intenção de usar Holmes por dois anos – três no máximo, antes de matá-lo. Depois, ele iria concentrar-se em romances históricos, que sempre soubera ser o que fazia melhor".
(págs 71/2)

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