junho 10, 2012

A Lebre com olhos de âmbar


"Este seria o cenário da ousadia de Renoir: O almoço dos remadores. Mostra uma tarde agradavelmente ostentatória na Maison Fournaise, um restaurante à beira do Sena em um dos lugares então na moda entre os parisienses, aonde eles iam a passeio, geralmente de trem. Barcos de passeio e um esquife podem ser vistos por entres os salgueiros cinzentos e prateados. Um toldo listrado de vermelho e branco protege o grupo do sol. É logo após o almoço no novo mundo de Renoir, um mundo de pintores, padrinhos, atrizes, onde todo mundo é amigo. Modelos fumam  bebem e conversam em meio a restos de garrafas  vazias e comida nas mesas. Aqui não há regras ou regulamentos.
A atriz Ellen Andrée, com um chapéu com uma flor espetada , ergue o copo até a boca. O barão Raoul Barbier, outrora prefeito de Saigon colonial, chapéu-coco puxado para trás, conversa com a jovem filha do proprietário.  O irmão dela, chapéu de palha como um remador profissional, está de pé ao fundo conferindo o almoço. Caillebotte, à vontade de camiseta  e chapéu de palha, está sentado atravessado na cadeira, olhando para a jovem costureira Aline Charigot. O artista Paul Lhote está sentado com o braço senhorial  enlaçado à atriz Jeanne Samary. É uma matriz sorridente de conversas e flertes.
E ali está Charles . É o homem bem no fundo , de cartola e paletó preto, virando-se ligeiramente de costas, como se olhasse de soslaio. Da até para ver a barba castanha arruivada. Ele está conversando com um simpático  e malbarbeado  Laforgue, vestido como um poeta, de boina de trabalhador e o que poderia se um  paletó de veludo. 
Duvido que Charles realmente usasse suas roupas beneditinas, pesadas e escuras, em uma festa de barco em pleno sol de verão, e cartola em vez de chapéu de palha. Essa é uma piada interna entre  amigos sobre o uniforme de Mécène, é Renoir sugerindo que padrinhos e críticos são necessários, em algum ponto do fundo, a um canto, mesmo no dia mais ensolarado e livre.
Proust escreve sobre este quadro, reparando em "um cavalheiro (...) de gravata em uma festa esportiva do remo na qual estava claramente deslocado, o que provava que para Elstir ele não era apenas um conviva regular, mas um amigo, quem sabe um patrono".
Charles está claramente deslocado, mas é um conviva, um amigo e um patrono e ali está ele. Charles Ephrussi - ou pelo menos as costas , a nuca de Charles - entra na história da arte".
Edmund De Waal   - A Lebre com olhos de âmbar - págs. 83/4



Nota: A entrevista com o autor AQUI  e  aqui para o prefácio  . Não perca  a  crítica !!!!

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