maio 25, 2012

Cuidado com os céticos



"Em 1953, as empresas de cigarros publicaram nos jornais americanos uma página intitulada "Nossa declaração franca aos fumantes de cigarros". A mensagem era que fumar não faz mal à saúde e que essa afirmação tinha bases científicas.
O diretor científico do Comitê de Investigações da Indústria do Tabaco (CIIT) escreveu em 1957: "Apesar de toda a atenção voltada à acusação de que fumar provoca câncer do pulmão, ninguém comprovou que a fumaça do cigarro ou qualquer um de seus componentes cause câncer no homem".
A estratégia do CIIT era financiar cientistas que enfatizassem a diversidade de fatores que podem causar o câncer, evitando que fosse atribuída ao tabaco a importância que ele realmente tinha. A ideia era gerar ceticismo e "um debate científico saudável". E conseguiram. Os jornalistas, sempre sedentos de controvérsias e obrigados a buscar pontos de vista divergentes de maneira equilibrada, davam espaço e respeito igual a ambas as partes.
O problema é que em 1950 já havia evidências indiscutíveis que vinculavam o tabagismo ao câncer pulmonar. Foi preciso esperar várias décadas para que a desonestidade das empresas de tabaco e dos cientistas a soldo delas fosse desmascarada e o vínculo entre tabaco e câncer deixasse de ser questionado.
Meio século mais tarde, estamos na mesma situação. Mas a controvérsia agora não se dá entre os céticos e os cientistas que acreditam que fumar provoca câncer, e sim entre os que acreditam que o clima está mudando em decorrência de atividades humanas, como a industrialização e o desmatamento, e os que creem que não ocorrem tais mudanças no ambiente.
Os paralelos com o debate sobre câncer e cigarro são fascinantes -estratégias e até frases usadas agora pelos céticos das mudanças climáticas são muito parecidas.
Qualquer dos céticos atuais poderia tomar como sua a seguinte frase do diretor científico do CIIT, mudando apenas a palavra "câncer" por "mudanças climáticas": "O problema da causalidade de qualquer tipo de mudança climática é complexo e difícil de analisar", diriam.
E é essa a estratégia: a primeira linha de defesa foi que as mudanças climáticas não existem. Uma vez que os dados derrubaram essa defesa, a segunda linha é afirmar que não existem provas de que a atividade humana seja a causa das mudanças (portanto, que não há nada o que mudar). E, quando essa defesa é derrubada pela avalanche de dados, o refúgio dos céticos consiste em argumentar que as variações climáticas são o produto de muitos fatores e que a atividade humana é apenas um deles.
A única diferença em relação à controvérsia sobre câncer e tabaco são os interesses que financiam os céticos mais estridentes.
Enquanto a confusão sobre o tabaco foi semeada unicamente pelas empresas de cigarros, os céticos das mudanças climáticas têm mecenas vários e generosos: as empresas petrolíferas, as de gás, o carvão, a eletricidade e as montadoras de automóveis, entre outros.
Por isso às vezes é saudável ouvir os céticos com grande ceticismo".
MOISÉS NAÍM


Nenhum comentário: