abril 08, 2012

A Paixão segundo Marx


Jesus chegou a Jerusalém no Domingo de Ramos, que aliás então nem se chamava assim: afora sábado, nenhum dia tem nome na semana judaica.
Aristocratas saduceus (grupo de judeus de então) logo detectaram pregação subversiva: forasteiro com intenção de criar mais uma seita? Como se já não lhes bastasse aturar fariseus demagogos, essênios santarrões e zelotes fanáticos! Viria agora perturbação no modus vivendi tão custosamente negociado com os dominadores romanos?
Herodes continuava sibarítico rei da Judeia. Precisava apenas pagar a Roma parte dos impostos que arrecadava. A eles, saduceus, cabia proveitosa exploração comercial da peregrinação. Atração turística suprema no país, o templo magnífico estimulava a economia local, sobretudo na Páscoa.
Em termos políticos de hoje, saduceus e fariseus representariam a direita nacionalista, fascista, teocrática. Jesus, a esquerda universalista, democrática, até secularista ("a César..."). Referia como iguais os samaritanos, que os conservadores detestavam como hereges. Assistia mendigos, escravos, leprosos, até mulher do mau passo ("vai, e não peques mais").
A crise culminou quando Jesus ousou bagunçar a lucrativa bolsa de câmbio instalada na entrada do templo. Ali afluíam peregrinos com moedas provindas do comércio nas lonjuras. Iam trocá-las para pagar incenso, animais dos sacrifícios rituais, bordéis, hospedagem, refeições. (Quem terá pago a Santa Ceia?)
Jesus vociferou contra a profanação. Xingou cambistas, revirou bancas, esparramou moedas escadaria abaixo.
Foi a conta. O sumo sacerdote convocou reunião de emergência do Sinédrio, que logo condenou à morte o Messias impostor.
Problema: execução era privilégio romano. Seria preciso, portanto, sanção do governador Pilatos. Levá-lo a crer, por exemplo, que o subversivo Jesus ambicionava ser rei da Judeia.
A Pilatos pouco importava quem fosse rei, desde que pagasse em dia. Percebeu a intriga e seus interesses. Mas, enfim, convinha manter a paz do status quo. Sem dizer que crucificação era um dos poucos divertimentos naquela cidade de bárbaros que nem circo tinha. Condenou.
Mesmo aturdidos, os apóstolos conseguiram se reorganizar em uma seita marginal chefiada por Tiago, um dos irmãos de Jesus. Pedro, obtuso e obstinado, preferia o cristianismo como seita judaica, interdita a incircuncisos.
Mas Paulo discordou resolutamente. (Só patrícios romanos tinham sobrenome; a qualificação "de Tarso" é gentílica.) Converter o mundo em reino de Cristo requeria sobretudo aliciamento das massas de plebeus e escravos do império romano. Embora miseráveis, sabia Paulo, a maioria deles não se sujeitaria a mutilar o pênis pela esperança de entrar no céu.
Três séculos depois, o imperador Constantino (272-337), hoje santo, admitia: o futuro estava mesmo naquele contagioso delírio coletivo. Mais astuto que reprimi-lo seria cooptar para o império aquela cruz, a infâmia sublimada em glória.
ALDO PEREIRA

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