janeiro 18, 2012

Repenso o mundo

Repenso o mundo, segunda edição,
segunda edição corrigida,
aos idiotas o riso,
aos tristes o pranto,
aos carecas o pente,
aos cães botas.

eis um capítulo:
a Fala dos Bichos e das plantas,
com um glossário próprio
para cada espécie.
mesmo um simples bom-dia
trocado com um peixe,
a ti, ao peixe, a todos
na vida fortalece.

essa há muito pressentida,
de súbito revelada,
improvisação da mata.
essa épica das corujas!
esses aforismos do ouriço
compostos quando imaginamos
que, ora, está só adormecido!

o tempo (capítulo dois)
tem direito de se meter
em tudo, coisa boa ou má.
porém — ele que pulveriza montanhas
remove oceanos e está
presente na órbita das estrelas,
não terá o menor poder
sobre os amantes, tão nus
tão abraçados, com o coração alvoroçado
como um pardal na mão pousado.

a velhice é uma moral
só na vida de um marginal.
ah, então todos são jovens!
o sofrimento (capítulo três)
não insulta o corpo.
a morte
chega com o sono.

e vais sonhar
que nem é preciso respirar,
que o silêncio sem ar
não é uma música má,
pequeno como uma fagulha,
a um toque te apagarás.

morrer, só assim. Dor mais dolorosa
tiveste segurando nas mãos uma rosa
e terror maior sentiste ao som
de uma pétala caindo no chão.

o mundo, só assim. só assim
viver. e morrer só esse tanto.
e todo o resto — é como Bach
tocado por um instante
num serrote.



Wislawa Szymborska

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