outubro 09, 2011

O que vês quando olhas para onde todos olham?

«O que nas pessoas estranhas, desviadas por passo próprio ou enxotadas pelos outros, o fascinava era a absoluta liberdade individual com que faziam as suas escolhas. Num louco ou num pedinte que vagueava pelas ruas a pedir pão e sopa e que, de noite, tal qual os outros humanos, só queria dormir, Buchmann via quem poderia escolher em liberdade pura, e sem consequências, a sua moral individual. Moral que nem sequer tem um par, um elemento que a acompanhe. Quem iria contestar a «vida imoral» de um pedinte ou de um louco? Aqueles homens tinham já em si, pela sua diferença, uma carga de imoralidade universal e profunda, que os tornava imunes às pequenas imoralidades praticadas. Um louco, tal como um pedinte, não era imoral. Eram indivíduos sem cópia, semelhantes a um rei; alguém que não tem par, que não tem aquele que está ao seu lado. E por isso não há para esses homens escorraçados, como não há para o homem mais poderoso, qualquer critério de comparação. Buchmann olhava com admiração para aqueles homens que traziam no bolso um sistema jurídico único, com o seu nome no fim. De certa maneira, era isso que Buchmann desejava; ser portador de um sistema legal cujas leis só fossem aplicadas a si; ser portador de uma moral que não é a do mundo civilizado nem a do mundo primitivo; que não é a moral da cidade ou sequer a moral da sua família mas a moral que tem o seu nome, apenas o seu, escrito por cima. »

 Capítulo   de Aprender a rezar na Era da Técnica, do  Gonçalo M. Tavares que recebeu o Prêmio do Melhor Livro Estrangeiro publicado em França em 2010 . Formado por capítulos curtos, escritos em um estilo ao mesmo tempo sóbrio e sombrio, neste romance  ele conta a história de Lenz Buchmann, um médico que abandona a profissão para  seguir a carreira política.
Como  em Jerusalém, (considerado "magistral" pela crítica ), - cuja leitura não consegui concluir  -  o autor mantém o mesmo olhar sombrio sobre a condição humana, dando a conhecer um  personagem frio e calculista que despreza a sociedade. Não entendi  o título  nem  a razão da grafia em letras maiúsculas.  
Alguém explica? 

Um comentário:

Anônimo disse...

A inicial maiúscula nos títulos

[Pergunta] Quando temos um título com 2 ou mais palavras utilizamos letra maiúscula em cada palavra ou só utilizamos letra maiúscula na 1.ª e nas restantes letra minúscula.
Como é que fundamenta a vossa resposta?
Sara Coito :: :: Portugal

[Resposta] Não podem ser exigidas respostas muito extensas em Ciberdúvidas, pois isso exorbita da sua missão de base graciosa; mas atendendo ao seu pedido, vou, excepcionalmente, pormenorizar neste caso:
A norma portuguesa (acordo de 1945), semelhante neste aspe(c)to à a(c)tual norma brasileira, indica:
«Escrevem-se com maiúsculas iniciais, nas citações, os títulos e subtítulos de `livros, de publicações periódicas e de publicações artísticas´: “O Primo Basílio”, (...) “Diário Oficial”, “Revista Lusitana”, (...) “O Desterrado” (estátua de Soares dos Reis), “O Guarani” (ópera de Carlos Gomes), “Transfiguração” (quadro de Rafael). No entanto, escrevem-se com minúsculas iniciais (ou minúscula exclusiva, se unilíteros), sem prejuízo de haver sempre maiúscula na primeira palavra, os seguintes componentes de títulos e subtítulos deste gé[ê]nero: 1.º) formas do artigo definido ou do pronome demonstrativo afim; 2.º) palavras inflexivas (preposições, advérbios, etc.) simples ou combinadas com as mesmas formas; 3.º locuções relativas a qualquer categoria de palavras inflexivas e combinadas ou não de modo idêntico. Exemplos: (...) “Algumas Palavras a respeito de Púcaros em Portugal”.»
Agora vamos à sua pergunta.
Suponhamos que temos, por exemplo, o título de um tema em Ciberdúvidas. É claro que (e é essa a tendência frequ[ü]ente) podíamos generalizar a norma e aplicá-la também neste caso.
Mas é isto sensato? Não é já rebarbativa, para os tempos presentes, a exigência, que a norma nos faz, de termos de distinguir gramaticalmente as palavras sempre, na citação do título? Além disso, a norma fala em citações (num texto), normalmente escritas em minúsculas; o que não é o caso de um título que resuma um trabalho escrito qualquer, título até frequ[ü]entemente grafado todo em maiúsculas. E também não é o caso do título de um tema em Ciberdúvidas, ou semelhante, que nos convenha escrever em minúsculas...
Devemos ter respeito pela tradição e pela índole da língua, mas também bom senso e espírito aberto à inovação que não escandalize a comunidade culta em que nos inserimos. Ora, qual foi, neste aspe(c)to, a recomendação inovadora dos ilustres lingu[ü]istas do acordo de 1990? As exigências a(c)tuais para as citações vão deixar de existir. É imposta a maiúscula nas palavras de um título, se este for de um periódico (ex.: “Diário de Notícias”); mas, até: «Nos biblió[ô]nimos (após o primeiro elemento, que é com maiúscula, os demais vocábulos podem ser escritos em minúscula, salvo nos nomes próprios neles contidos ....) Ex.: “O Senhor do paço de Ninães”, “Menino de engenho”, “Árvore e tambor”.
Em resumo, não se tratando especificamente das citações indicadas na norma de 1945, em que procuro seguir as suas indicações (visto continuar em vigor e como é meu dever), em todos os outros títulos, escritos com base em minúsculas, aplico a simplificação permitida pelo acordo de 1990 para os biblió[ô]nimos (ex.: de aplicação: “Palavras com inicial maiúscula nos títulos”, ou, para maior facilidade de arquivo, e atendendo à relativa liberdade gramatical permitida nestes casos: “Títulos; palavras com inicial maiúscula”.
Ao seu dispor,

D´ Silvas Filho :: 12/06/2003