outubro 30, 2011

Rio, anos 60

Entre Rubem e Samuel
"Em 1968, meu pai, Samuel Wainer, voltou ao Brasil após quatro anos de exílio na França, para onde foi depois do golpe de 1964, e nós, os filhos, fomos morar com ele.
Eu tinha 14 anos. Morávamos em uma pequena cobertura muito charmosa na avenida Vieira Souto, no Rio. Lá, acompanhei o reencontro de meu pai com um Brasil bem diferente daquele que ele havia sido obrigado a deixar sem saber se um dia voltaria. E vi começar a nova configuração de Samuel, agora um ex-Roberto Marinho.
Esse apartamento era o que se chamava, na época, um eterno "open house". Entre os poucos vestígios do poder perdido, havia, como dizer... um mordomo. É: o famoso e querido Caruso. Reza a lenda que Caruso tinha servido ao rei Farouk do Egito e, quando este foi destronado pelos militares, nos anos 50, Caruso fugiu para o Brasil. Em algum momento, ele foi trabalhar para o grande "tycoon" da imprensa brasileira da época, o já desquitado e poderoso Samuel Wainer. Foi seu fiel mordomo e tudo o mais até 1964 -e retomou seu posto na volta do patrão.
Era uma casa sempre cheia de políticos, banqueiros, intelectuais, celebridades estrangeiras, mulheres bonitas, uma espécie de "swinging Rio" conspirando contra a ditadura. Caruso ia driblando a falta de grana (pois é), e sempre havia bebida, gelo, aperitivos, refeições para quantos convidados houvesse, a qualquer hora. Lembro que o entregador de bebidas perguntou se nossa casa era um clube, tantos eram os engradados semanais.
Foi nessa época que conheci Rubem Braga. Rubem sempre estava lá. Era um velho amigo de Samuel, amigo de juventude, anos 40. Tinha uma presença suave, olhos silenciosos e carinhosos. Por algum motivo, tudo o que era relacionado a ele vinha envolto num certo clima: um quase suspiro, um viés de segredo. Eu, adolescente, não prestava muita atenção. Mas estava sempre quicando na área.
Rubem Braga era muito parecido fisicamente com Samuel Wainer. Meu pai adorava contar que uma vez, dentro do elevador do extinto hotel Jaraguá, estavam ele e uma mulher, e ela olhava para ele e sorria. Até que falou o inevitável "preciso lhe dizer o quanto sou sua admiradora, adoro o seu trabalho...". Samuel ficou todo vaidoso e tal e coisa. Quando o elevador parou, ela finalizou: "Rubem, foi um enorme prazer te conhecer". Samuel contava e ria.
Mas as coisas nem sempre foram amistosas entre eles. Samuel, um homem de muitas vidas, viveu em uma delas um drama terrível envolvendo a sua primeira mulher, Bluma, e Rubem Braga. Anos 40, Segunda Guerra, Samuel na Europa cobrindo o Tribunal de Nuremberg, eis que Bluma e Rubem se apaixonam loucamente.
Agora isso tudo já é history, posso falar o pouco que sei. Rubem era casado, não se separou. E aconteceram coisas que eu nunca soube direito: chegaram a morar juntos? Não sei. Mas não ficaram juntos. E Bluma teve um câncer.
Samuel Wainer voltou e a amparou até morrer. Imagine isso tudo nos anos 40, época de moralismos, muito romantismo e dor de cotovelo, com o mais triste de todos os finais. E Samuel e Rubem ficaram anos sem se falar.
E aí, em mais uma nova vida, Samuel e Danuza Leão (minha mãe) se casam. Rubem, que assim como ela era de Cachoeiro do Itapemirim (ES), era muito amigo de Danuza -dizem que apaixonado por ela. Pronto: mais um climão. Até hoje, quando minha mãe fala dele, eu sinto "aquele" viés.
Acho que ele escreveu crônicas para ela, acho que ele a apelidou de "girafinha" (pelo seu lindo pescoço longo). Acho, acho, acho. Rubem morreu em 1990, e Danuza ganhou de alguém da família Braga dois desenhos de Rubem: dois autorretratos. Lindos. Um dia, Danuza me deu os desenhos.
E eles estão comigo, preservados com carinho".
PINKY WAINER

Nenhum comentário: