outubro 10, 2011

Iphônicos anônimos

"O vício já está alastrado e, em breve, demandará reuniões noturnas.
- Meu nome é Rogério e sou um iPhônico.
- Olá, Rogério! -responderá o grupo, em coro.
- Estou há três dias sem consultar meu iPhone.
Aplausos.
Da mesma maneira como tentamos afastar o álcool e o cigarro das escolas, temos de erguer uma muralha contra o vício digital.
Mas esses equipamentos digitais não são ferramenta de nosso tempo, linguagem contemporânea? É saudosismo achar que a meninada precisa ser blindada contra a rede?
Pensem no que significa o Google. Por meio dele, não há informação impossível de filtrar. Google e similares filtram tudo para você. Quando estiver naufragando ao navegar, eles lhe enviarão uma tábua de salvação, usando tudo o que sabem sobre você.
Assim, se você costuma entrar na Amazon, eles lhe propõem livros e compras que "deveriam" lhe interessar. Em vez de abrir seus horizontes, o mundo da navegação apenas reforça seus hábitos e interesses.
É assim no Facebook, no Twitter ou no LinkedIn -sua pequena comunidade é mantida entre conhecidos, amigos esquecidos ou rede de interesses. Para conhecer alguém diferente, é preciso aventurar-se na praça pública da turba digital.
Errônea, portanto, a impressão de que a web abre mentes e caminhos. Em muitos sentidos, ela os fecha de vez. E, nesse cerco, faz escravos digitais. Com a convergência, cria-se o smartphone como um cordão umbílico-digital.
A escola tem de aceitar que essa ligação veio para ficar e que submeterá legiões de coitados. Um vício a mais a ser moderado.
Afinal, uma taça de vinho ou uns torresminhos por dia são inócuos e prazerosos. Trocar uns e-mails, SMS e dar uma navegada caem nessa mesma categoria.
Ter os dedos amarelados, pigarro contínuo ou necessidade de um trago frequente é falta de recursos internos e requer auxílio. Tanto o Blackberry que é consultado a cada 20 minutos como a turma de executivos que se senta à mesa onde quase todos teclam ou falam ao celular são exemplos de funcionamento esquizofrênico.
Agora, no recreio das escolas frequentadas por jovens abastados (e logo, nas públicas, à medida que os smartphones ficarem mais baratos), já temos a meninada com iPhones, ansiosamente conectados.
Cabe decidir se há um perigo à saúde pública e se os aparelhos já devem vir com avisos soturnos acima de fotos de engravatados sobre macas -safenados, mas grudados aos smartphones em "rigor mortis".
A escola é lugar para evitar proibições e abrir espaços contínuos de ajuste a novas maneiras. Lá se previne a situação patética de seus pais. Faltam professores e diretores que abram esse espaço para a reflexão juvenil.
Uma tragada, um gole e uma tecladinha: falta a Lei do Ventre Livre que libertará os que estão a crescer".
RICARDO SEMLER

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