setembro 08, 2011

As flores e o zinco

"Poucas imagens inspiram menos a pensar em insetos e outros seres do microcosmo do que os telhados e os balcões floridos de Paris. No meio da turba de turistas ávidos por vitrines, cafés e obras de arte, os olhos dificilmente prestarão atenção em… abelhas.
No entanto, elas estão lá. Tomada de flores em seus balcões, árvores e mesmo nas brechas de calçadas, a capital francesa e suas centenas de restaurantes são um verdadeiro banquete para elas, o que inspirou criativos apicultores a mudar radicalmente seus hábitos de produção.
Desde o ano passado, colmeias instaladas sobre os poéticos telhados de zinco da cidade têm obtido um resultado que surpreende até os maiores entusiastas da apicultura urbana: além de alta produtividade, sabores inesperados.
Se nas regiões tradicionalmente apícolas da França uma família de abelhas produz, em média, 20 quilos de mel por ano, sobre o teto do
Grand Palais 
ela rende mais que o dobro: 50 quilos ou 600 potes pequenos de mel em cada colmeia.
“A flor é a comida das abelhas. Como em Paris há muitas flores, há muita comida. Logo, elas produzem muito mel. Simples assim”, explica o apicultor Nicolas Géant, que há dois anos trocou terno e gravata de executivo pela blusa xadrez de apicultor. São mantidas por ele as colmeias que ficam no teto do Grand Palais, na sede da Louis Vuitton e em mais uma dezena de empresas em pleno coração de Paris.
Como muitas das plantas cultivadas pelos parisienses em suas varandas são incomuns para a região, de lavandas a pequenas laranjeiras, o mel da cidade tem um sabor complexo, diferente dos tradicionalmente encontrados no mercado francês, onde o pólen de acácias ou girassóis é dominante.
“É um sabor heterogêneo, resultado da melificação do pólen de castanheiras, de árvores de frutas cítricas e mesmo da florzinha amarela do dente-de-leão, uma erva que cresce em qualquer rachadura de muro”, explica Géant.
O mel colhido no ano passado nas colmeias próximas a Champs Élysées mostrou um sabor cítrico. Das que ficam sobre o telhado do estrelado restaurante Tour D’Argent, às margens do Sena, veio um produto com notas de lavanda e menta.
O Tour d’Argent, que desde o século XVI acolhe a elite parisiense em torno da alta gastronomia, agora oferece uma família de pratos feitos a partir de seu mel de grife: pato ao molho de mel, figos assados com queijo branco e mel.
O pote de 200 gramas do mel da grife custa 15 euros, cinco vezes o preço de um supermercado.
Investindo nas colmeias assinadas desde 2009, a Louis Vuitton não tem interesses comerciais na experiência. Mesmo sem ser vendido em lojas, distribuído apenas entre os amigos da marca, seu mel La Belle Jardinière tornou-se objeto de desejo. “Nosso intuito não é comercializar esse produto, mas sensibilizar nossos colaboradores para a necessidade de preservar a biodiversidade”, explicou o presidente da Louis Vuitton, Yves Carcelle.
A lição não pode ser mais eloquente do que a recebida no início da primavera pelos funcionários da sede da empresa localizada ao lado da Pont Neuf. Da janela dos escritórios, eles acompanharam a divisão natural de uma das colônias de abelhas da marca. Após o nascimento de uma nova rainha, a antiga migrou com parte de seus súditos para uma árvore do jardim de inverno da empresa. “A imagem é impressionante, uma nuvem preta de abelhas num voo sincronizado no meio dessa paisagem burocrática”, conta uma funcionária.
A divisão da colônia, que atesta sua saúde, faz pensar em eventuais riscos de milhares de abelhas a se reproduzir no meio urbano. “As raças escolhidas são as mais dóceis. Elas só se alimentam de pólen, não se interessam por sucos ou refrigerantes”, explica o apicultor Géant.
Mas o encarregado de estudos sobre fauna da Agência de Ecologia Urbana de Paris, Thomas Charachon, explica que a prefeitura acompanha de perto essas experiências para evitar que a moda do mel de grife fuja de controle e gere um desequilíbrio ambiental. “Ainda estamos longe de uma saturação do número máximo permitido de 700 colmeias na cidade. Temos a metade disso. Ainda assim, vetamos novas autorizações com fins lucrativos e exigimos o cumprimento de regras estritas, como a distância de pelo menos 5 metros da circulação das pessoas, por exemplo.”
Como alternativa às colmeias da moda, a prefeitura estimula outras iniciativas de incentivo à biodiversidade urbana. “Até porque a mortalidade das abelhas está longe de ser um dos problemas centrais da preservação ambiental em Paris. Esse é um problema real no campo, não na cidade”.
....

Nenhum comentário: