agosto 03, 2011

E-readers

"Já disse aqui mas vou repetir que toda a proposta do Livrada! se resume a analisar livros físicos, de papel, grossos ou finos, que sirvam pelo menos para machucar alguém com uma livrada. Bom, a nossa amiga ciência, aquela que diz que a arca de noé é uma mentira (na verdade seria algo mais próximo de um catamarã, dizem os sabichões), está tentando reduzir o desmatamento ilegal da amazônia que resulta nestas belas páginas sobre as quais os senhores deslizam os olhos para saber quem vai pegar Rodión Raskolnikov, que que essa Anna Kariênina tá fazendo de novo na estação de trem, quem é o traidor de Hogwats, quem é o amante misterioso de Sabrina, que deu duas quando as luzes se apagaram durante aquele baile, enfim, estão tentando reduzir o desmatamento da amazônia fabricando readers eletrônicos.
Se você caiu no planeta Terra agora, explico: o e-reader é uma maquininha sem-vergonha que serve pra você ler livros eletrônicos segurando algo que mais parece um palmtop espichado e passando as páginas por meio de botõezinhos. Nada de orelhas, nada de projeto gráfico, nada de ostentar lombada, nada de ostentar capa no ônibus, nada de nada. Pra quem tá de fora, só o que se vê é você olhando fixamente pra uma maquininha ad nausea e se divertindo hor-ro-res. Como se ler já não fosse um hábito esquisito o bastante.
Pois bem, jogaram nas minhas hands um desses e-readers. Não vem ao caso qual é, não vem ao caso como veio, e peço discrição nesse assunto. Fato é que, aos 24 anos, me vi, pela primeira vez, frente a frente com uma dessas bugigangas da pós-modernidade. Bugiganga sim senhor. Quem lembra do Inspetor Bugiganga sabe que a Penny tinha um livro que era um computador, e todo mundo achava aquilo a coisa mais legal do mundo até aparecer um computador que é um livro e a coisa não ser mais tão legal assim.
A primeira impressão positiva foi com a tela. Realmente é uma tela muito confortável para se ler, não é como ler na tela do computador, que emite luz própria. Também não é como ler na tela de um gameboy da década de 90, que não emite luz própria. É uma tela feita especialmente feita para leitura. Só que o homem, vaidoso, se esqueceu que Deus todo-poderoso já tinha fabricado uma tela dessas antes, e ela se chama PAPEL. Super legal essa mania de inventar coisa que já existe, e agora todo mundo acha que o Steve Jobs inventou o telefone celular. Amigos: ser melhor, mais muderno, mais prático é uma coisa muito boa para acéfalos. É para os acéfalos que a ciência fez o Segweg, o Iphone, o Nike Shox, o Frozen Yogurt, o Listerine, o Band-Aid, o Ben 10, o IMAX, a Gibson, o Smart, o WD-40, o WI-FI, o forno de micro-ondas e o e-reader. Se você quiser entrar nessa vibe de douchebag way-of-life, fica à vontade, mas aqui, como diz Xitãozinho & Xororó, o sistema é BRUTO.
Mesmo a telinha sendo prática, ela invariavelmente é minúscula, não importa a marca da tranqueira que você comprou. Sempre menor do que um livro pocket e, eu não sei quanto a vocês, mas eu só leio livro pocket quando a grana tá curta ou quando não tem mesmo em outra edição decente.
Vamos continuar com as vantagens: você pode começar a ler livros pirata. O papai aqui, que é muito esperto, baixou do torrent o Nemesis, o livro novo do Philip Roth que ainda não chegou aqui no Brasil. Comecei a ler toda aquela história de crise de poliomelite em Newark, aquela chatice de todos os começos dos livros do Roth (à exceção de O Animal Agonizante talvez. Talvez, eu disse) e me achei o bacana. Fui continuar a ler no dia seguinte e, tchanam! o reader não reconheceu mais o arquivo que eu tinha baixado. De um dia pro outro, sem razão aparente. Legalzão isso, né? Quer dizer, você tá lá com seu e-reader lendo as últimas peripécias de Harry Potter e seus amiguinhos e termina um capítulo falando que alguém mata o diretor Dumbledore (que é uma perversão sexual da infância, matar o diretor do colégio, afinal) e você vai dormir, doidão de curiosidade mas cheio de sono pra continuar. No dia seguinte, na hora de tirar a prova dos nove, a porcaria falha e você está para sempre angustiado por ter lido essa porcaria de livro nessa porcaria de reader e não em um livro de gente normal. É como naquele episódio do The Office em que o GPS mandou o Michael Scott dirigir o carro pra dentro de um lago e ele fez exatamente isso. Cego pela ciência! Cego! Cego!
Mais uma vantagem: um precinho camarada! Um reader deste está entre 400 e 800 reais no mercado. Faça as contas e veja que você, que é um bom leitor porque se não fosse não leria este blog, gasta em média 40 a 50 reais num livro BOM, ou seja, uma dúzia de livros lidos no reader pagam a gerigonça, certo? Errado, camarada, porque os e-books novos custam dinheiro também, e não custam barato. Ou seja, você paga caro no reader e passa a pagar mais barato em cada livro que você compra, pra sempre. O problema é que, pelo menos por enquanto, todos os livros disponíveis em versão virtual são belas de umas porcarias. É comer, rezar e amar pra cá, marley e eu pra lá, monge e o executivo aqui, dan brown acolá, harlan coben no meio do caminho, enfim, livros que não custam de 40 a 50 reais, custam de 20 a 35 reais, livro chulé, feito com papel jornal. E na versão virtual o preço deles abaixa pouco: de 15 a 25 reais. Então, se você ainda não entendeu, chupa aí um osso de galinha pra criar tutano nessa cabeça e perceba que o aparelho só vai se pagar a longuíssimo prazo, no mesmo prazo em que você pagaria sua biblioteca vendendo seus livros pro sebo e comprando novos. Esse lance de comprar o reader e comprar livro virtual achando que vai valer o investimento é uma corrida de Zenão, só que sem ilusão de ótica.
Sem falar as pequenas coisinhas:
1- Perder um livro numa viagem custa 50 reais. Perder um e-reader custa a sua passagem de volta.
2- Ladrão nenhum se interessa por roubar um Pastoral Americana, mas qualquer vagabundo quer botar a mão em qualquer aparelhinho eletrônico na esperança de que ele possa ser repassado para outro vagabundo que vai comprar achando que dá pra usar o e-reader pra tocar poperô no ônibus.
3- Acaba essa negócio de emprestar livro pros outros (há quem seja contra, mas quem é precisa mostrar que o é por ser cuzão, e não dar uma desculpinha esfarrapada do tipo “ai, é que o meu livro é virtual, sabe? não rola, amiga”).
5- Ilustradores, diagramadores, arte-finalistas, capistas, artesãos da editoração: preparem-se para começar a acordar bem cedo pra assistir o Telecurso 2000.
6- Editoras, livreiros, atravessadores, publicitários: preparem-se para fazer o novo módulo de marketing do Senai: “Como fazer o consumidor se interessar e pagar por algo que não existe de verdade?”.
7- Donos de sebos: os negócios vão bem?
8- Quer entrar na fila de autógrafos com o seu e-reader? Vá em frente, champeão, você é muito especial. Sim, essa definição de ‘especial’.
9- Gosta de dar livros de presente para as pessoas mas procura saber se elas já têm o livro antes? Espero que você seja hacker.
10- Tá bom ou quer mais?
Contudo, há de se notar vantagens óbvias para os leitores eletrônicos: leitores do Stephen King não vão mais sofrer de lordose, livros didáticos não vão mais garantir a ceia de natal do catador de papel, qualquer zé ruela vai poder ter seu livro mais facilmente comercializado, e quando eu digo zé ruela eu estou falando de VOCÊ, jovem aspirante a escritor que já teve seu original recusado até pela Não-Editora, ler de pé no ônibus fica mais fácil porque você não precisa mais equilibrar um livro e virar as páginas com uma mão só, seus rebentos que odeiam ler mas adoram qualquer porcaria com um botão de liga e desliga vão dormir com o reader debaixo do braço, enfim, a invenção não é de se jogar fora. Mas pra nós aqui, que somos descolados e apreciamos uma boa literatura, essa parada tá por fora, falei?
E você, concorda?"

Do blog LIVRADA

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